Preso desde 2018 pelo porte de 10 gramas de maconha, o jovem negro Lucas Morais de Trindade, 28, morreu no último sábado (4) vítima da covid-19, no presídio de Manhumirim, em Minas Gerais. A informação foi confirmada pelo advogado de Lucas, Felipe Peixoto, e pela Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).
Ele estava sendo processado desde dezembro de 2018 por tráfico de drogas. Neste período, a defesa impetrou dois habeas corpus para tentar soltar Trindade, mas os magistrados negaram.
Em contato com a reportagem, a Sejusp informou que a morte está sob investigação. No atestado de óbito de Lucas, no entanto, consta o coronavírus como causa da morte, com confirmação via teste rápido. A própria secretaria afirma que ele foi diagnosticado com o vírus no último dia 25.
Atestado de óbito de Lucas Morais de Trindade Imagem: Arquivo pessoal “Até a última sexta-feira (3/7), [Lucas] não apresentava qualquer sintoma da doença.
Também não tinha histórico de outras doenças nem fazia uso contínuo de medicamentos.
Na manhã do último sábado (4/7), Lucas desmaiou na cela e foi imediatamente encaminhado, desacordado, para atendimento médico no hospital Padre Júlio Maria, em Man. Lucas desmaiou na cela e foi imediatamente encaminhado, desacordado, para atendimento médico no hospital Padre Júlio Maria, em Manhumirim, onde veio a óbito”, diz a secretaria.
Ele estava preso de forma preventiva (quando não há prazo para o fim da prisão), e foi condenado em primeira instância. O juiz, no entanto, decidiu manter a prisão preventiva, já que Trindade só deveria ser preso após o trânsito em julgado do processo. Ele permaneceu detido por quase um ano sem julgamento.
Dados de 2019 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostram que há pelo menos 337.126 presos provisórios no Brasil, o que representa 41,5% de toda a população carcerária.
Em março, o CNJ recomendou a reavaliação das prisões preventivas tendo em vista a pandemia do novo coronavírus. “Pela nova lei do pacote anticrime, o juiz tem de fundamentar a prisão preventiva de 90 em 90 dias.
Levando em consideração esses prazos, eu pedi duas vezes a liberdade do Lucas, mas foram negados”, disse ao UOL o advogado Felipe Peixoto. O julgamento na segunda instância estava marcado para o dia 28 de julho; foram mais de nove meses aguardando o julgamento da apelação de Trindade.
Peixoto e os familiares de Lucas não foram avisados pela direção do presídio de Manhumirim, que fica na Zona da Mata mineira, sobre a covid-19. No dia 2 de julho, uma lista com o nome dos internos que estariam com a doença foi divulgada, e constava o nome de Lucas.
Dois dias depois, ele passou mal e morreu. “Eu não recebi até agora, uma semana após a morte do Lucas, nenhum contato das autoridades competentes. Nem mesmo do presídio, da secretaria de segurança, nada”, disse o advogado.
“Esse tipo de caso demonstra o papel do Judiciário brasileiro na produção de mortes da população negra. Estamos acostumados a falar da polícia, dos agentes carcerários, justamente os que estão na ponta e que têm origem muito parecida com os criminalizados”, diz Dudu Ribeiro, coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. “Enquanto isso, temos um Judiciário majoritariamente branco, e que tem um papel fundamental no aprisionamento dos corpos negros.”
Ele cita que a política de drogas implementada em 2006, sob o governo Lula (PT), abriu espaço para o encarceramento em massa, principalmente dos pretos e pardos, por não especificar as quantidades das substâncias que deveriam ser consideradas para uso pessoal. A guerra às drogas é um dos instrumentos mais eficazes da necro política Dudu Ribeiro, coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.
80% dos presos contaminados Segundo a Sejusp, 159 dos cerca de 200 detentos no presídio de Manhumirim (a prisão está superlotada, segundo o advogado Felipe Peixoto) foram diagnosticados com covid-19. Dessa forma, cerca de 80% de todos os detentos daquele presídio estão com o novo coronavírus.
“As alas em que se encontram foram isoladas, desinfetadas, e todos servidores e demais detentos do local usam máscaras de forma preventiva”, diz a secretaria em nota.
Das 60 mil pessoas que estão detidas no estado, 344 foram diagnosticadas com a covid-19. Quase metade de todos os internos que estão infectados no estado está detida no Manhumirim.
Conteúdo UOL