Por Eric Fernando Alves
Um livro, muitos olhares
Por séculos, a Bíblia ocupou um lugar central na vida espiritual, social e até política de diferentes povos. Considerada sagrada por judeus e cristãos, ela também desperta a curiosidade de historiadores, arqueólogos e críticos literários. Mas, entre a fé e os fatos, permanece uma pergunta que resiste ao tempo: a Bíblia é realmente a palavra de Deus? Ou é um documento moldado por mãos humanas tentando entender o divino?
A resposta não é simples — e talvez nunca seja. Mas ao cruzar dados históricos, descobertas arqueológicas e a construção dos textos ao longo dos séculos, é possível entender por que a Bíblia continua sendo um dos livros mais fascinantes (e controversos) da história da humanidade.
Uma construção milenar
A Bíblia não surgiu pronta. Ela é o resultado de mais de mil anos de escrita, revisão e seleção, feita por autores de diferentes épocas, culturas e contextos. O que conhecemos como Antigo Testamento começou a ser registrado por volta de 1200 a.C., com relatos que até então circulavam oralmente entre os hebreus. Esses textos incluem leis, poesias, profecias e crônicas históricas.
O Novo Testamento, por sua vez, nasceu no século I d.C., em meio à perseguição aos cristãos. Os evangelhos, as cartas dos apóstolos e o Apocalipse foram escritos por comunidades que buscavam registrar a vida, a morte e a ressurreição de Jesus — cada uma sob sua própria perspectiva.
Fé e evidência
A arqueologia tem confirmado alguns elementos das Escrituras. A estela de Tel Dã, descoberta em 1993, cita a “Casa de Davi”, sugerindo que o rei bíblico não é mera ficção. A inscrição de Pôncio Pilatos em Cesareia Marítima e o cilindro de Ciro, encontrado na Babilônia, também reforçam a conexão entre a Bíblia e fatos históricos.
No entanto, eventos como a abertura do Mar Vermelho ou a queda milagrosa das muralhas de Jericó ainda não possuem comprovação empírica. Muitos estudiosos defendem que essas narrativas devem ser lidas como símbolos teológicos, não como registros jornalísticos da época.
Evangelhos com versões diferentes
Os quatro evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas e João — não contam a mesma história de forma idêntica. As palavras finais de Jesus, sua genealogia e até a ordem dos acontecimentos variam entre eles.
Essa diversidade não anula sua importância. Ao contrário: mostra que cada evangelho foi escrito com propósitos específicos, para públicos distintos e com abordagens teológicas diferentes. João, por exemplo, tem um tom mais filosófico, enquanto Marcos é direto e objetivo. Mateus foca na conexão com a tradição judaica, e Lucas, na inclusão social e universalidade da mensagem de Cristo.
O Apocalipse e a resistência em código
O último livro da Bíblia, o Apocalipse de João, é muitas vezes associado ao fim do mundo, mas seu contexto é mais político do que apocalíptico. Escrito sob o domínio do Império Romano, durante a perseguição aos cristãos, o texto usa uma linguagem simbólica para denunciar o poder imperial — identificado como “a Besta” ou “Babilônia”.
O livro não apenas prevê o fim dos tempos, mas transmite uma mensagem de esperança e resistência: o mal será vencido, e os justos serão recompensados.
Afinal, é palavra de Deus?
A resposta continua a depender da fé. Para crentes, a Bíblia é a revelação divina; para estudiosos, um monumento literário, cheio de camadas, influências e interpretações. Em comum, todos reconhecem seu poder: nenhum outro texto atravessou tantas eras, moldou tantas culturas e influenciou tantas decisões.
Se é a palavra literal de Deus ou uma construção humana inspirada, continua em debate. Mas uma coisa é certa: a Bíblia continua viva, ecoando entre altares, salas de aula, escavações arqueológicas e — principalmente — no coração das pessoas.