No último domingo (24), a Unesco divulgou um relatório que aponta que o Brasil manteve as escolas fechadas por praticamente o dobro da média mundial. Enquanto os alunos brasileiros ficaram 40 semanas fora da escola, no restante do mundo o fechamento foi de 22 semanas, em média.
Ao comparar o relatório contendo as diretrizes de reabertura do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) com a realidade dos fatos, reunimos informações suficientes para uma análise curiosa. Segundo a Unesco, o fechamento das escolas no Brasil seguiu o exemplo de países como Moçambique e Etiópia, porém, quando o assunto é a volta às aulas presenciais, o Consed se baseia na experiência de reabertura de países de primeiro mundo.
Segundo resoluções dos secretários estaduais de educação, a volta às aulas precisa atender, entre outros, aos seguintes requisitos:
• Garantir lavatórios com dispensador de sabonete líquido;
• Instalar suportes com papel toalha;
• Ter lixeiras com tampa com acionamento por pedal;
• Distribuir dispensadores de álcool em gel em pontos de maior circulação.
Parece muito bonito e ninguém discute que seria o correto, principalmente diante de uma pandemia, mas eis aqui a realidade das escolas brasileiras: mais da metade não tem acesso a saneamento básico. Para ser mais precisa, 53,3% não têm distribuição de água potável e nem coleta e tratamento de esgoto. Os dados foram divulgados pela Agência Brasil e fazem parte de levantamento realizado pela plataforma Melhor Escola.
Diretrizes como essas em um país como o nosso não passam de fantasia e demonstram que, ou as secretarias estaduais não conhecem a realidade das escolas no Brasil ou fingem não conhecer. Como garantir “lavatórios com dispensador de sabonete líquido” e “dispensadores de álcool em gel” quando nem sequer há água? Quem é que não sabe que a maioria das escolas não tem nem mesmo papel higiênico, que diremos então sobre disponibilizar “papel toalha” e “lixeira com acionamento por pedal”? Em que mundo os responsáveis pela educação de milhões de alunos vivem? Quando o assunto é o fechamento seguem o exemplo da Etiópia, mas quando trata-se da reabertura agem como se vivêssemos na Finlândia…
As secretarias de estado caminham na contramão da ciência e dos alertas feitos pela Unesco, Unicef e Organização Mundial de Saúde (OPA/OMS) que pedem prioridade na reabertura das escolas com segurança. Tivemos 40 semanas, 280 dias, para que os governos – que economizaram milhões de reais com as escolas fechadas – se preparassem para uma reabertura segura. Foram dez meses em que nada se fez para garantir, pelo menos, que as escolas tenham água, apenas água.
É muito fácil para esses burocratas sentarem em seus home offices confortáveis – enquanto seus filhos frequentam escolas particulares – e elaborar – via Zoom, claro – um documento que não passa de uma fantasia. Difícil mesmo é levantar de suas cadeiras ergonômicas de grife e visitar as escolas que dirigem para, pelo menos, tomar conhecimento do que acontece no mundo real, onde milhões de alunos estão sendo violados e negligenciados em seu direito à educação com um mínimo de dignidade.
Saiam do mundo da fantasia, saiam do Zoom e façam o trabalho pelo qual são muito bem remunerados com o dinheiro daqueles a quem vocês deveriam honrar e servir.
Autora
Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.