Governador de Minas Gerais afirma ver a gestão do presidente como boa, sem “nada em termos de corrupção que se assemelhe aos governos passados”. Para Zema, seu partido, o Novo, ainda precisa aprender a fazer política.O Brasil ainda está no meio da batalha contra a covid-19, e não é possível julgar neste momento a performance do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia. A opinião é do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, concedida em entrevista à DW Brasil.
Para Zema, “o jogo não acabou”, e países que controlaram melhor a disseminação do coronavírus podem viver uma segunda onda de casos e mortes. Além disso, “divergências” sobre como enfrentar a doença e seus efeitos sociais e econômicos fazem com que seja recomendável esperar o final da pandemia para avaliar o combate a ela.
Assim como Bolsonaro, Zema usa a Suécia como exemplo de país que conduziu de forma diferente o enfrentamento da covid-19. O país escandinavo não estabeleceu quarentena rígida e manteve parte do comércio aberta. Como resultado, teve uma taxa de mortes a cada 100 mil habitantes muito superior à dos vizinhos Dinamarca, Finlândia e Noruega.
Primeiro chefe de Executivo estadual eleito pelo Novo, em 2018, Zema avalia a gestão do presidente como “boa”, não só pela disposição em adotar princípios liberais na economia, mas também no campo ético: “Não tivemos ainda nada em termos de corrupção que se assemelhasse ao governo passado ou aos anteriores.”
Em seu estado, dados oficiais sobre a covid-19 indicam um salto no número de casos e de mortes. Nesta segunda-feira (10/08), Minas tinha a segunda maior aceleração no número de mortes em relação a duas semanas atrás, de 34%, segundo cálculo feito pelo jornal O Globo.
Zema atribui a alta a uma mudança de metodologia de contagem e estima que os números começarão a cair ainda nesta semana. Apesar da aceleração recente no número de mortes, Minas é o estado com menor mortalidade por 100 mil habitantes do país, segundo dados compilados pelo Ministério da Saúde a partir de informações prestadas pelas secretarias estaduais de saúde. São 16,7 mortes a cada 100 mil habitantes, contra 54,7 em São Paulo e 81,6 no Rio.
Questionado sobre a gestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que foi filiado ao Novo por dois anos e acabou expulso da legenda em maio, Zema diz não ter acompanhado em detalhes as ações do governo federal. Mas aponta tanto excesso de burocracia nos licenciamentos ambientais quanto falta de punição a quem destrói o meio ambiente. “Há falhas nas duas frentes”, diz.
DW Brasil: Minas tem registrado mais de 2,7 mil novos casos de covid-19 por dia há mais de duas semanas, pelo critério da média móvel dos últimos sete dias, sem sinal de queda. Por que seu estado não está conseguindo reduzir esse número?
Romeu Zema: Entre os estados do Brasil, Minas foi o que mais conseguiu empurrar a curva adiante e, com certeza, achatá-la. Estamos passando por aquele platô, que já vimos em diversos lugares. Nossa situação aqui, diferente de outros estados, não foi explosiva, onde teve um aumento acentuado e depois uma queda. E estávamos com dados represados, essa última semana foi uma semana atípica. Mudamos a metodologia para que não houvesse uma espera tão grande entre a ocorrência e o lançamento [no sistema], e houve um número extra de casos devido a essa mudança.
O número de mortes também está em alta. Hoje há quatro estados no Brasil nos quais esse número está acelerando, e Minas é um deles, com a segundo maior aceleração, de 34% a mais de mortes em relação a duas semanas atrás. Por quê?
Foi a mudança que nós fizemos, inclusive para melhorar essa apuração. Mas queria ressalvar que Minas é o estado com a menor taxa de óbito do Brasil por cem mil habitantes. Há 15 dias assumimos essa liderança, estávamos em segundo lugar e passamos para primeiro [hoje com 16,7 de mortes a cada 100 mil habitantes].
Levando em conta a alteração de metodologia que o senhor menciona, há previsão de quando esse impacto será absorvido e o número voltará a cair?
É muito provável que já nessa semana tenhamos números menores de óbitos. Mas é uma previsão, até os especialistas têm tido dificuldade em prever.
Segundo reportagem publicada nesta segunda-feira no site G1, Minas foi o estado que menos investiu em saúde no primeiro semestre do ano, como percentual da receita corrente líquida. Gastou R$ 1,9 bilhão no primeiro semestre, correspondente a 7,76% da sua receita corrente líquida [a lei exige que os estados gastem no mínimo 12% no acumulado do ano]. Por que isso ocorreu em um semestre no qual se esperava maior gasto em saúde devido à pandemia?
Temos de salientar a questão do critério contábil adotado nesses dados. Existe um critério financeiro, liquidado [efetivamente pago], que é o que foi levantado [na reportagem], e tem o critério do que é empenhado [compromisso de pagamento]. Na verdade, Minas gastou a mais do que [no primeiro semestre] do ano passado, mas os pagamentos ainda não foram efetuados, em R$ 600 milhões. Minas tem investido mais. E vale lembrar que temos conseguido uma eficiência maior. No meu governo, até o momento, não tivemos nenhum caso de desvio.
Belo Horizonte reabriu na última quinta-feira o comércio. A capital mineira está preparada para dar esse passo, em meio a essa aceleração de casos e mortes por covid-19?
Nossos índices têm sido muito abaixo da média do Brasil. A capital tem sido a região onde estamos com a maior taxa de óbitos no estado, mas tem hoje uma taxa de ocupação de leitos de UTIs que permite certa flexibilização. É algo que tem que ser bem acompanhado, porque caso haja uma explosão podemos ter uma situação que se aproxime da crítica. No momento, há uma pequena margem para uma flexibilização.
No geral, como o senhor avalia o desempenho do Brasil no combate da pandemia?
Ainda estamos no meio da pandemia. Lamento muito os mais de 100 mil óbitos que tivemos no Brasil. Mesmo entre os especialistas da área de saúde, há divergências quanto às melhores práticas a serem adotadas. Somente mais adiante, daqui a seis meses, um ano, é que vamos poder avaliar, de forma apurada e correta, o que foi feito, o que foi mais adequado ou não.
Até este momento, como o senhor avalia o desempenho do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia?
Como o jogo não acabou, é muito difícil fazer uma avaliação. Não sabemos se, em outros países do mundo, vai surgir ou não uma segunda onda. O comportamento do vírus ainda não foi entendido. Então é difícil avaliar quem fez certo e quem fez errado até o momento. E muitas vezes quem fez certo fez talvez não por ter seguido o manual das melhores práticas, mas por uma mera questão do acaso. Há muita divergência sobre esses entendimentos, é cedo para tirarmos qualquer conclusão.
Quando o senhor diz haver divergência entre entendimentos, o que tem em mente?
Os especialistas discordam quanto ao que é melhor com relação à condução da pandemia. Você vê o caso da Suécia, que é um país desenvolvido, mas que conduziu de forma diferente. Aí está um exemplo claríssimo dessa divergência.
A evolução das curvas de casos e de mortes por covid-19 não seria um critério claro para avaliar o desempenho no combate à pandemia, comparando por exemplo a curva do Brasil às da Europa ou à da China?
Tenho certeza que sim, mas quem nos garante que amanhã uma segunda onda não possa surgir num país que até o momento foi melhor do que outro, e que ele acabe tendo um desempenho pior? Ainda estamos no meio da guerra, quando a pandemia realmente vier a terminar aí é possível tirar alguma conclusão.
O senhor foi eleito com discurso de austeridade, mas no início do ano apresentou um projeto que reajustava o salário dos servidores de segurança pública em até 40%, e ao final concedeu reajuste de 13%, ao mesmo tempo em que Minas buscava aderir ao regime de recuperação fiscal. Como o senhor avalia hoje essa decisão?
Tivemos uma mudança no critério de pessoal orientada pelo Tribunal de Contas. Minas estava com o comprometimento de despesas acima do permitido por lei com pessoal, o tribunal fez uma mudança e ficamos abaixo, que acabou nos expondo a uma situação, porque já havia um compromisso com as forças de segurança de fazer uma recomposição da inflação passada. Reconheço que a situação financeira não permitiria, mas ninguém imaginava que fosse haver uma mudança nos critérios.
Há muitos policiais se lançando a cargos eletivos após se engajarem em atividades políticas nos quartéis. Isso está certo?
Vejo como legítimo numa democracia. O que não vejo como correto é a eleição como é conduzida. Um estado como Minas Gerais, que tem 21 milhões de habitantes e diversas regiões, teria de ter voto distrital. Hoje acabam ganhando mais representatividade as entidades de classe. E não é só em Minas, é no Brasil todo. Várias regiões do estado não conseguem eleger representantes porque a população naquela região não é suficiente para os eleger. Isso faz com que essas categorias tenham uma representatividade maior do que deveriam ter e acabam pressionando os legislativos.
O senhor é o primeiro governador eleito pelo Novo. Quais são as forças e as fraquezas da sua legenda?
Primeiro, as forças. O Novo não tem nenhum histórico de envolvimento com a corrupção, com escândalo. Somos um partido que prega valores, que não é um partido de dono. Não se baseia em grandes figuras e não utilizamos recursos públicos. Se amanhã o fundo eleitoral e o fundo partidário, com os quais nós não concordamos, acabarem, muito provavelmente seremos o partido que terá mais condição de sobreviver, porque estamos estruturados para sobrevivermos das doações voluntárias dos associados que acreditam na causa.
As fraquezas estão alicerçadas na questão de sermos ainda um partido pequeno, que tem no Congresso Nacional uma bancada que não chega a 2% do total, com oito parlamentares. E ainda pouco presente nos Legislativos estaduais, temos representantes apenas no Rio Grande do Sul, Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Tenho dito hoje aos meus colegas de partido que precisamos aprender a fazer política. Porque se temos esse plano de mudar a política no Brasil, temos de jogar de acordo com as regras. Sem sair da legalidade, mas o Novo ainda está muito cru, muito ainda utópico, e isso precisamos mudar.
O Novo nasceu como um partido liberal, mas é um liberalismo que se restringe ao campo econômico, não chega ao campo dos costumes. Isso se deve mais a uma convicção dos seus membros ou a um cálculo eleitoral?
Acreditamos que o mercado é a melhor solução para vários problemas. Não acreditamos no Estado empresário. A questão dos costumes é algo para os Legislativos, no Brasil há uma concentração desses assuntos no Congresso. O partido realmente tem a pauta liberal na economia, não entra nessas questões polêmicas.
Qual a sua opinião sobre a gestão do presidente Bolsonaro, como um todo?
Avalio a gestão do presidente como boa, compartilhamos essa visão liberal da economia.
Quando o senhor diz boa, se refere no geral ou só à economia?
No geral. Até o momento, com um ano e meio de gestão, não tivemos ainda nada em termos de corrupção que se assemelhasse ao governo passado ou aos anteriores.
E a relação dele com as outras instituições, como o Supremo?
Estou muito focado na gestão de Minas Gerais, não tenho acompanhado os detalhes de Brasília.
O Novo teve em seus quadros por dois anos Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que acabou expulso do partido em maio. Como o senhor vê a política e a gestão ambiental do governo federal?
Sou favorável a uma política ambiental responsável e sei que é possível conciliar preservação do meio ambiente com desenvolvimento econômico. Sou contrário a qualquer irresponsabilidade ambiental. Hoje já existe conhecimento, tecnologia, manejo, é possível conduzir as duas coisas simultaneamente.
Mas imagino que o senhor tenha acompanhado um pouco da gestão de Salles, até por ele ter sido seu colega de partido. Como avalia a gestão dele no Ministério do Meio Ambiente?
Não tenho acompanhado em detalhes as ações do governo federal. Sei que o Brasil se transformou muitas vezes em um obstáculo a qualquer investimento e licenças. Venho do setor privado, muitas vezes tive de aguardar anos por uma licença para operar numa área que já era impactada, que já tinha sido totalmente degradada. Há muita burocracia, precisamos simplificar. E há também por outro lado irresponsabilidades. Muitas vezes quem está destruindo o meio ambiente não é punido adequadamente. Há falhas nas duas frentes.
Matéria : Terra Notícias