Com a chamada da matéria “Pandemia varre as pequenas cidades do interior levando dor e a busca desesperada por um leito de UTI” o jornal EL PAÍS fala sobre a situação em Coromandel.
Com apenas 28.000 habitantes, Coromandel, no Triângulo Mineiro, registrou em fevereiro duas vezes mais mortes por covid-19 do que no ano passado todo, sobrecarregando leitos de internação de cidades vizinhas maiores. Cenário se repete pelo país, que já tem 17 capitais com UTIs superlotadas.
A enfermeira aposentada Luiza Telma da Silva, de 69 anos, sentiu a respiração pesar pela covid-19 justo quando sua cidade encontrava a fase mais dura da pandemia. Coromandel – um município com pouco menos de 28.000 habitantes localizado no Triângulo Mineiro – registrou somente neste mês de fevereiro duas vezes mais mortes causadas pelo coronavírus do que no resto da pandemia toda: dez pessoas faleceram entre maio de 2020 e janeiro deste ano, enquanto o número de mortes somente nas três primeiras semanas de fevereiro de 2021 chegou a 23. Sem leitos de UTI, a cidade depende historicamente de transferência para outras cidades de referência, em um fluxo que ganhou maior complexidade durante a crise sanitária, quando as cidades maiores também começaram a colapsar. Em 10 de fevereiro, Telma amanheceu com dificuldade pra respirar. Sentia-se fraca, e seus familiares decidiram levá-la ao pronto-socorro. Ela foi então internada e passou a receber suporte ventilatório com oxigênio enquanto esperava por um leito de terapia intensiva. Não deu tempo. Acabou morrendo no mesmo dia, no hospital onde trabalhou durante 10 anos.
Até o fim de janeiro, a cidade do Triângulo Mineiro, contava 473 casos de covid-19. Três semanas depois, o número já era quase três vezes maior, com 1.274 casos. O crescimento acelerado levou o sistema de saúde local ao colapso, já que nem mesmo os leitos de enfermaria da cidade estavam sendo suficientes. Em média, cerca de seis pacientes são transferidos todos os dias a cidades maiores, como Belo Horizonte, Uberaba, Uberlândia, Divinópolis e Montes Claros – para receber assistência. São desde casos mais graves até aqueles que precisam apenas de atenção especializada ou exames. O problema é que parte dessas cidades, como Uberlândia, por exemplo, também já chegou a um esgotamento em suas redes de saúde. Praticamente já não há mais leitos. Lá, 81 pessoas estão à espera de uma vaga de UTI em hospitais públicos e privados. O Governo de Minas Gerais precisou organizar uma força-tarefa para transferir os pacientes a cidades ainda mais distantes, como a capital Belo Horizonte, que fica a mais de 500 quilômetros de Coromandel.
Medidas mais restritivas para frear internações
Na porta do pronto socorro de Coromandel, o pequeno município do Triângulo Mineiro, tem se intensificado a movimentação de pessoas que chegam a esperar horas para tentar informações de seus familiares ou um fazer um aceno a eles antes da remoção para outras cidades. Sob um sol forte, no último fim de semana, Daniela Machado Moreira aguardava a transferência da mãe, Maria Aparecida Machado da Silva, de 64 anos, que estava internada há mais de uma semana e seria levada para Uberaba. Daniela contou ao EL PAÍS que todo o atendimento na cidade está comprometido e que só conseguiu ter ideia da gravidade do caso da mãe depois de providenciar, pela rede particular, uma radiografia que apontou um comprometimento de 50% dos pulmões.
“Eles [os médicos] falaram que vão transferir só por segurança, porque lá tem mais condições de fazer mais exames. Mas a gente fica com o coração na mão, porque a gente sabe que essa doença é assim, na mesma hora que está bom, não está. É imprevisível”, afirma Daniela. Ela diz que a família tentava seguir com rigor os cuidados preventivos contra o coronavírus, especialmente porque Maria Aparecida é idosa, e Daniela está tratando um câncer. “Eu não moro com ela. Quando ela começou a ter sintomas, foi no dia da minha terceira [sessão de] quimioterapia. Depois que testou positivo ela ficou dentro de casa. A gente só chegava na varanda, levava comida, só de longe ou por chamada de vídeo”, conta. “Abraço e beijo desde que começou a pandemia a gente não está fazendo. Pensando em preservar ela, porque tem mais de 60 anos”.
Em Coromandel quase todo mundo se conhece, ainda que seja de vista. Por isso a dor da perda e a aflição pelas internações são sentidas por todos. Daniela amparava e era amparada pelos três filhos e pela neta de outros dois pacientes internados: o casal Maria das Dores Vieira Gonçalves, de 70 anos, e Célio Gonçalves, de 71. Só a esposa seria transferida naquele dia, para Belo Horizonte, porque estava dependendo muito do oxigênio e poderia ter o estado agravado. Maria das Dores ainda tomou o cuidado de pedir que não comunicassem o marido para não preocupá-lo. “Nesses casos que envolve saturação de oxigênio não se pode sentir muitas emoções. A gente nem queria que eles se encontrassem aqui no pronto-socorro. Eles têm uma ligação muito forte, são casados há mais de 50 anos”, contou o Célio Rodrigo Gonçalves, um dos filhos do casal, ainda emocionado pelo breve encontro com a mãe antes da transferência.
Maria das Dores e Maria Aparecida são duas das dez pessoas transferidas da cidade em 21 de fevereiro. Nove de Coromandel e uma de Monte Carmelo, cidade que fica a pouco mais de 50 quilômetros de distância, e que precisou da ajuda da cidade vizinha para transferir um paciente por não ter um aeroporto. Na semana passada, o prefeito de Monte Carmelo, Paulo Rocha, chegou a fazer um apelo nas redes sociais pedindo a doação de cilindros de oxigênio vazios, já que os equipamentos disponíveis já não dão conta. A cidade, de 48.000 habitantes, está com uma demanda pelo insumo 10 vezes maior por conta da pandemia, segundo o gestor. E também tem transferido pacientes a cidades como a vizinha Uberaba e a já distante Belo Horizonte pela falta de leitos. O cenário é dramático: o único hospital da cidade para o tratamento da covid-19 mantém a ocupação total dos 16 leitos de UTI que dispõe há cerca de um mês.
Coromandel limitou as atividades comerciais no dia 16 de fevereiro por conta do agravamento da pandemia. “Eu nunca vi isso aqui em Coromandel”, diz Sebastiana Joana da Costa, de 91 anos, pelas grades do portão da garagem de casa. Se a pandemia já vinha mudando a rotina da cidade há um ano, nas últimas semanas estas alterações ganharam novos contornos. Barreiras sanitárias foram posicionadas pela administração municipal nos quatro acessos à cidade. Ali, servidores da saúde e policiais militares param os veículos para aferir a temperatura dos motoristas e passageiros. Pessoas que apresentam febre são orientadas a procurar o pronto-socorro e as orientações como o uso da máscara e o distanciamento social são reforçadas. A situação da cidade motivou a visita do secretário estadual de saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, que anunciou reforços de um médico intensivista, um infectologista, um enfermeiro, um técnico em enfermagem e um fisioterapeuta para auxiliar os profissionais locais.
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