Processo: 1.0000.22.182075-6/000
Relator: Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques
Relator do Acordão: Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques
Data do Julgamento: 11/04/2023
Data da Publicação: 14/04/2023
EMENTA: PROCESSO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA – CRIME PREVISTO NO ART. 316 DO CÓDIGO PENAL –
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – PRELIMINARES DEFENSIVAS – RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DAS CONVERSAS DE WHATSAPP JUNTADAS AOS AUTOS – INCABÍVEL – AUSÊNCIA DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA – INEXISTÊNCIA DE PROVAS DE ADULTERAÇÃO DA PROVA – INÉPCIA DA DENÚNCIA – REJEIÇÃO DA TESE – DESCRIÇÃO DO FATO CRIMINOSO E DE SUAS CIRCUNSTÂNCIAS – PREFACIAIS REJEITADAS – MÉRITO – RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – IMPERTINÊNCIA – PRESENÇA DE INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE – HIPÓTESES DE REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INEXISTENTES – RECEBIMENTO NECESSÁRIO – DENÚNCIA RECEBIDA -AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO – IMPOSSIBILIDADE – CRIME COMETIDO, EM TESE, SEM DANO AO ERÁRIO – AUSÊNCIA DE PROVAS DA UTILIZAÇÃO DO CARGO PARA DESTRUIÇÃO OU ADULTERAÇÃO DE PROVAS OU DA PRÁTICA DE OUTROS DELITOS – MEDIDA EXTREMA QUE NÃO SE AFIGURA RAZOÁVEL NO CASO – PLEITO INDEFERIDO.
– As conversas de Whatsapp colacionadas aos autos não se configuram, a princípio, provas ilícitas, posto que fornecidas pelo próprio participante do grupo, não sendo demonstrada, por ora, adulteração da prova, sendo inviável o acolhimento da tese de quebra da cadeia de custódia.
– Restando descrito na denúncia fato que constitui, em tese, delito, com todas as características e circunstâncias a esse inerentes, permitindo aos investigados o exercício do contraditório e da ampla defesa, não há que se falar em inépcia.
– Necessário o recebimento da denúncia que se encontra fundamentada em contundentes indícios probatórios da materialidade e da autoria delitivas, eis que, apenas após a instrução processual será possível se aferir certeza sobre a presença, ou não, do elemento subjetivo do tipo, predominando nessa fase o princípio in dubio pro societate.
– Se o crime foi, em tese, cometido sem dano ao erário e não há provas de que o prefeito esteja se utilizando do cargo para a destruição ou adulteração de provas ou prática de outros delitos, incabível determinar o afastamento cautelar do acusado do cargo que ocupa nesse momento processual, por ser uma medida extrema que deve ser adotada somente em casos excepcionais.
AÇÃO PENAL – ORDINÁRIO Nº 1.0000.22.182075-6/000 – COMARCA DE PATROCÍNIO – DENUNCIANTE(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PG JUSTIÇA – DENUNCIADO(A)S:
DEIRO MOREIRA MARRA PREFEITO(A) MUNICIPAL DE PATROCÍNIO, AILON LUIZ JUNIOR
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR AS PRELIMINARES DEFENSIVAS, RECEBER A DENÚNCIA E INDEFERIR O PLEITO DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO.
DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES
RELATOR
DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES (RELATOR)
V O T O
Cuida-se de procedimento investigatório instaurado contra o Prefeito do município de Patrocínio/MG, Deiró Moreira Marra, bem como em face de Ailon Luiz Junior em razão de terem solicitado vantagem indevida de Maria Abadia Garcia e dos proprietários do loteamento “Residencial Florenza” como condição para a aprovação do empreendimento imobiliário “Residencial Florenza”, sendo ambos denunciado.
Conforme se apurou durante as investigações, essas tiveram início em decorrência de representação firmada pelo Alexandre Quintino Santiago, Desembargador do TJMG, o qual informou que, em data não precisa, mas provavelmente no início de fevereiro de 2022, em uma reunião realizada na Prefeitura de Patrocínio/MG, para buscar a regularização do loteamento denominado “Florenza”, localizado no município de Patrocínio/MG, teria sido exigido, para sua regularização, pelo denunciado Ailon Luiz Junior, agindo a mando do denunciado Deiró Moreira Marra, que fossem vendidos, a preços bem abaixo dos de mercado, alguns lotes para determinada empresa, como condição para a solução dos entraves existentes, atinentes ao referido empreendimento imobiliário.
Segundo o representante, explicitando melhor, teria chegado ao conhecimento dele, por meio de um grupo de Whatsapp do qual fazia parte, que o denunciado Deiró Moreira Marra estaria exigindo, por meio do denunciado Ailon Luiz Junior, vantagem ilícita para aprovação do referido loteamento, consistente na venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado (fls. 02A/03 PIC).
Na ocasião, o representante entregou um pen-drive contendo as conversas entre os participantes do referido grupo de Whatsapp, o qual foi juntado à fl. 21 PIC.
Quanto ao mencionado loteamento residencial, o processo de aprovação junto à Prefeitura de Patrocínio/MG iniciou-se em novembro 2012, fl. 114 PIC, apurando-se, no início, a necessidade de regularização da matrícula, motivando a realização de vários inventários, licenças, retificação de área dentre outras ações.
Feito isso, a área passou a pertencer a uma grande gama de proprietários, sendo necessário, pelo alto custo do empreendimento, formar uma sociedade, sendo criada uma empresa em nome desses: “Dias Participações Ltda.”; e outra pelos investidores: “Florenza Empreendimentos Imobiliários”.
O imóvel foi incorporado na empresa dos proprietários e, posteriormente, uma nova incorporação dessa empresa na dos investidores, vindo, em decorrência disso, sido pago o valor de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) a título de ITBI.
Inicialmente, foi apresentado projeto urbanístico, sendo aprovadas as diretrizes em maio de 2014, porém, com a demora na conclusão do empreendimento, com a entrada em vigor de novo plano diretor, o projeto anterior perdeu sua aprovação, demandando novo trabalho, o qual veio ser aprovado em agosto de 2020.
O projeto urbanístico foi analisado e concluído, sendo possível dar sequência a todos os projetos complementares para a implantação do indigitado loteamento.
Como houve entraves em relação ao meio ambiente, foi firmado com o Ministério Público um “Termo de Ajustamento de Conduta”, vindo, em seguida, as adequações serem aprovadas por todos os envolvidos, porém, a licença ambiental venceu, o que motivou o empreendimento buscar junto à Prefeitura a necessária aprovação de modo urgente, diante da demora da tramitação do procedimento.
Nesse momento, quando da obtenção da licença ambiental, a qual é condicionada à aprovação prévia do Município, o denunciado Ailon Luiz Júnior, agindo a mando do denunciado Deiró Moreira Marra, passou a “extorquir” os representantes do empreendimento, exigindo vantagem indevida para a liberação dela.
Os acusados foram notificados pessoalmente para oferecer resposta preliminar, nos termos do art. 4° da Lei n° 8.038/1990, tendo apresentado essa por meio de seus defensores constituídos.
A Defesa de Deiró Moreira Marra apresentou resposta preliminar às fls. 207/218, alegando, preliminarmente, que as conversas de Whatsapp juntadas aos autos constituem prova ilícita, visto que não possuem autenticação e representam quebra da cadeia de custódia. No mérito, assevera que não há justa causa para a deflagração da ação penal, porquanto estão ausentes provas de autoria e materialidade do crime imputado. Argumenta que não há delimitação de quadras ou lotes do empreendimento, sendo impossível a exigência de determinada área. Aduz que nunca conversou com as pessoas citadas na denúncia, ressaltando que foi aberto procedimento administrativo disciplinar contra o funcionário da prefeitura Ailon Luiz Júnior, em razão das denúncias.
Desse modo, requer a declaração de nulidade das provas consistentes em conversas de Whatsapp juntada aos autos, com o consequente desentranhamento dessas; e também a rejeição da denúncia, por ausência de justa causa.
A Defesa do acusado Ailon Luiz Junior apresentou resposta preliminar às fls. 261/274, alegando, preliminarmente, que as conversas de Whatsapp não possuem autenticação, representando quebra da cadeia de custódia, razão pela qual devem ser desentranhadas dos autos, por serem manifestamente nulas.
Ainda em sede prefacial, argumenta que a denúncia é inepta, pois não descreve detalhadamente a conduta praticada pelos acusados. No mérito, pondera que o acusado é secretário de administração, não tendo envolvimento nenhum com a eventual aprovação do projeto, ressaltando que o denunciado nunca esteve reunido com nenhuma das pessoas citadas. Salienta que a denúncia não descreve qual vantagem indevida o acusado Ailon receberia. Desse modo, pleiteia o reconhecimento da nulidade das provas consistentes em conversa de Whatsapp e a rejeição da denúncia.
Com o regular trâmite do feito e após detida análise do acervo probatório colacionado aos autos, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, mediante parecer do Procurador Joaquim F. Ramos Filho (fls. 279/283), requereu a rejeição das prefaciais ventiladas, bem como o recebimento da denúncia e afastamento cautelar do denunciado Deiró Moreira Marra do cargo de prefeito, em razão de sua reiteração delitiva e para preservar a moralidade pública, fazendo referência à solicitação de fls. 145/148.
É o relatório. Decido.
Precipuamente, antes de se adentrar especificamente nas teses defensivas aviadas, cumpre registrar que todo o exame que se faz nessa fase pauta-se apenas pelo juízo de probabilidade e não de certeza, sendo recomendável interromper prematuramente apenas aquelas denúncias que aparentem temerárias, completamente despojadas de lastro probatório ou notoriamente insustentáveis.
Exceto isso, o caminho tende a ser o do prosseguimento da ação penal, porque deve preponderar o interesse da sociedade em ver apurado o fato criminoso em todas suas nuances e especificidades, em detrimento do interesse particular dos envolvidos, o que somente é possível através da instrução probatória, ressalvadas, logicamente, todas as garantias previstas na Constituição da República.
Dúvidas, se existentes, não devem obstar, assim, o recebimento da denúncia, porque, neste momento processual, prevalece o princípio in dubio pro societate.
Compulsando detidamente os presentes autos, vislumbra-se que foram apresentadas variadas teses defensivas, as quais serão a seguir analisadas.
1- DAS PRELIMINARES SUSCITADAS
1.1- Da suposta ilicitude das provas consistentes em conversas de Whatsapp juntada aos autos.
Inicialmente, as Defesas de Deiró Moreira Marra e Ailon Luiz Júnior suscitam preliminar de nulidade das conversas de Whatsapp juntadas aos autos, alegando que há ofensa à cadeia de custódia e que essas não foram autenticadas.
Contudo, essa tese não merece guarida.
Primeiramente, cabe consignar que um integrante do grupo de discussão, referente à regularização do loteamento “Residencial Florenza”, apresentou ao Ministério Público um pen-drive contendo todas as conversas do referido grupo, não sendo, a princípio, prova ilícita.
Segundo, não há que se falar em quebra da cadeia de custódia, porquanto não há nenhum indício de adulteração do conteúdo das conversas, tanto que as Defesas não questionam a veracidade das mensagens, que, diga-se de passagem, foram corroboradas por depoimentos prestados pelas testemunhas perante o Ministério Público.
Nesse sentido, cabe consignar que a cadeia de custódia não é um fim em si mesma, sendo sua finalidade última a preservação da autenticidade da prova licitamente obtida. Isto é, quanto mais robusta a cadeia de custódia de determinado elemento, menor a margem para questionamentos quanto a sua autenticidade.
Acerca do tema, lecionam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:
Cadeia de custódia e a autenticidade da prova – Uma cadeia de custódia dos vestígios fidedigna aos ditames legais diminui a probabilidade de violação ou de contaminação, seja acidental ou dolosa, da amostra, garantindo-se a autenticidade do elemento de prova.
Autenticidade consiste na certeza de que o objeto em análise provém das fontes anunciadas e que não foi alvo de mutações ao longo de um processo, assegurando-se a identificação e a segurança da origem da informação.
O que se persegue com a preservação e a observância às etapas da cadeia de custódia é o nível máximo de autenticidade da prova pericial, isto é, a propriedade do vestígio preservado genuinamente em sua essência. […]
(Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados – 6ª. Ed. Rev e atual Salvador:
Editora: JusPodivm, 2021, p. 552/553)
Eventuais irregularidades ocorridas ao longo desse processo, por sua vez, não levam à imprestabilidade da prova em si, cuja confiabilidade deverá ser aferida pelo julgador por meio da análise das circunstâncias do caso e dos demais elementos probatórios reunidos nos autos.
Nesse sentido, segue a lição doutrinária:
Quando se discute preservação do vestígio e a garantia da autenticidade da prova, não se pode olvidar sobre a possibilidade de sua contaminação, gerada, por exemplo, pela presença de pessoa não autorizada no local do fato, acondicionamento inadequado do material coletado, ausência de identificação de todos os agentes que tiverem contato com o vestígio nas diversas fases da cadeia etc.
Nesse quadro, inevitável a pergunta: a falha em alguma etapa da cadeia de custódia terá qual consequência? Passa a ser ilegal? Deixa de ser autêntica? Poderíamos escalonar a autenticidade em graus? Absoluta, média ou reduzida? O juiz poderá rejeitar essa prova? Ou atribuir um valor mitigado pelo grau de autenticidade alcançado?
Em que pese corrente em sentido contrário, entendemos que a não observância dos regramentos da cadeia de custódia não pode ser rotulada (ou confundida) com a obtenção ilegal de prova. A prova a ser custodiada é legal, pois, do contrário, nem merece ser guardada.
No capítulo em estudo, o elemento objeto da custódia não tem vícios instrumentais na sua obtenção, processuais ou legais. Em razão de algum evento acidental ou intencional, tem maculada a sua custódia genuína. Isso interfere na sua qualidade.
Nossa posição é a de que a prova permanece legítima e lícita, podendo ser questionada a sua autenticidade. Seu valor será maior ou menor quanto mais ou menos se respeitou o procedimento da cadeia de custódia. Não pode ser descartada pelo juiz, mas valorada. […] (Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados – 6ª. Ed. Rev e atual Salvador: Editora: JusPodivm, 2021, p. 552/553) (grifamos).
Portanto, as conversas no grupo de Whatsapp são provas válidas, tidas como autênticas em razão da inexistência de provas em sentido diverso até esse momento, razão pela qual incabível, por ora, o reconhecimento da nulidade.
Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXTORSÃO. NULIDADE DA PROVA. PRINTS DE MENSAGENS PELO WHATSAPP. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADULTERAÇÃO DA PROVA OU DE ALTERAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONVERSAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade.
Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita.
2. No presente caso, não foi verificada a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, pois em nenhum momento foi demonstrado qualquer indício de adulteração da prova, ou de alteração da ordem cronológica da conversa de WhatsApp obtida através dos prints da tela do aparelho celular da vítima.
3. In casu, o magistrado singular afastou a ocorrência de quaisquer elementos que comprovassem a alteração dos prints, entendendo que mantiveram “uma sequência lógica temporal”, com continuidade da conversa, uma vez que “uma mensagem que aparece na parte de baixo de uma tela, aparece também na parte superior da tela seguinte, indicando que, portanto, não são trechos desconexos”.
4. O acusado, embora tenha alegado possuir contraprova, quando instado a apresentá-la, furtou-se de entregar o seu aparelho celular ou de exibir os prints que alegava terem sido adulterados, o que só reforça a legitimidade da prova.
5. “Não se verifica a alegada ‘quebra da cadeia de custódia’, pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova”.
(HC 574.131/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/8/2020, DJe 4/9/2020).
6. As capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, que foi calcada também em outros elementos de prova, como o próprio interrogatório do acusado, comprovantes de depósito, além das palavras da vítima.
7. Se as instâncias ordinárias compreenderam que não foi constatado qualquer comprometimento da cadeia de custódia ou ofensa às determinações contidas no art. 158-A do CPP, o seu reconhecimento, neste momento processual, demandaria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, o que, como é sabido, não é possível na via do habeas corpus.
7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 752.444/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022.) (destacamos).
Com base nesses argumentos, REJEITO a preliminar de nulidade das provas consistentes em conversas de Whatsapp.
1.2- Da inépcia da denúncia.
Segundo ponderado pela Defesa de Ailon Luiz Júnior, a denúncia é inepta, porquanto teria sido omissa quanto à descrição dos elementos essenciais do tipo imputado na exordial consistentes na especificação da vantagem indevida obtida pelo denunciado e em elementos essenciais que deveriam constar na exordial acusatória.
A alegação de inépcia da peça acusatória não se sustenta uma vez que os requisitos formais da denúncia, contidos no art. 41 do Código de Processo Penal, restaram devidamente preenchidos.
Por simples leitura, extrai-se da peça acusatória a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime imputado, além da juntada de farto acervo documental e a apresentação do rol de testemunhas.
Além disso, verifica-se às fls. 02v/06 que o Parquet teve o cuidado de individualizar a conduta de cada denunciando, demonstrando qual foi sua participação em cada crime, propiciando o pleno exercício da defesa.
A prova disso é que todos os acusados ofereceram extensas defesas prévias, impugnando cada ponto da denúncia, demonstrando-se que a narrativa fática nela constante é inteligível, clara e suficiente para garantir o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Digno de nota ressaltar que a denúncia fez menção expressa ao elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na vontade livre e consciente de requerer vantagem indevida, consistente em venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado, em razão da função, para aprovação do loteamento “Residencial Florenza”, o que basta para os fins a que se exige o art. 41 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, cabe consignar que não é necessário que a denúncia descreva a vantagem indevida que Ailon receberia, posto que o tipo penal é claro ao dispor “exigir, para si ou para outrem”, sendo que, no presente caso, Ailon, supostamente, exigiu a vantagem indevida para o prefeito, o codenunciado Deiró.
Dessa forma, REJEITO a preliminar de inépcia da denúncia e passo à análise do mérito.
2- MÉRITO
2.1- DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
Ultrapassadas as teses preliminares, constato que os documentos acostados no caderno processual conferem elementos suficientes para o regular desenvolvimento da ação penal, sendo que, ao menos por um juízo de probabilidade, colhem-se indícios de envolvimento dos acusados, o que desautoriza a interrupção prematura desta ação penal, conforme se deflui a seguir.
Em relação ao alcaide Deiró Moreira Marra, as provas demonstram indícios de autoria de que ele teria solicitado, por intermédio do denunciado Ailon Luiz Júnior, vantagem indevida, consistente na venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado, para a aprovação do loteamento denominado “Florenza”.
As Defesas dos denunciados alegam que eles nunca se reuniram com tais pessoas, de modo que a denúncia careceria de justa causa para seu recebimento.
Porém, as provas dos autos demonstram que há indícios de que Ailon se reuniu com Maria Abadia Garcia Vecchi e, nessa reunião, solicitou a mencionada vantagem indevida aos proprietários do loteamento, senão vejamos.
Na primeira reunião, ocorrida em 08/02/2022, Ailon se reuniu com Maria Abadia Garcia Vecchi, Valdir José Domingues e Patrícia Isabel Tolentino. Nessa reunião, aparentemente, não houve a exigência de nenhuma vantagem indevida. Porém, posteriormente, em 09/02/2022, Ailon agendou uma nova reunião com Maria Abadia, na qual ela deveria comparecer sozinha, ocasião em que Ailon lhe informou que o prefeito teria interesse na quadra 20, composta por 13 (treze) lotes, totalizando 8.000m² (oito mil metros quadrados), estando disposto a pagar a quantia de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), parcelado em 30 (trinta) vezes.
Vejamos o depoimento de Maria Abadia Garcia Vecchi prestado perante o Ministério Público (fls. 58v/60v):
(…)
d) A depoente tem conhecimento de quais os entraves administrativos que a atual administração de Patrocínio-MG vem apresentando para a regularização do loteamento?
Resposta: que em agosto de 2021 a depoente esteve na Secretaria de Urbanismo de Patrocínio e conversou com a Secretária Ione, a qual informou à depoente que naquele departamento não existia nenhum impedimento administrativo, ou seja, todas as exigências municipais haviam sido atendidas.
e) Na transcrição das conversas do grupo (documentos em anexo), transparece ter a depoente participado de uma reunião na Prefeitura de Patrocínio-MG, para tratar de assuntos relacionados à regularização do loteamento.
Realmente a depoente participou? Se positiva a resposta, quando ela ocorreu e em que local foi realizada na Prefeitura? Quem estava presente além da depoente? Quem estava representando a Prefeitura?
Resposta: Como o Setor de Urbanismo não liberou a Certidão de Conclusão dos Projetos, a depoente retornou nesta Secretaria no dia 13 de janeiro de 2022, para saber o que estava acontecendo, quando a Secretária Ione e o engenheiro do município Orlando informaram-lhe que o prefeito Deiró Borges [sic] determinou diversas alterações no projeto original, a tal ponto de inviabilizar o empreendimento.
f) Tendo participado da reunião, como se deu o seu agendamento?
Quais os contatos que a depoente fez na Prefeitura para agendá-la? O Prefeito tomou conhecimento do interesses da reunião, pois pela leitura dos transcritos das conversas no aplicativo Whatsapp transparece que sim, pois é afirmado que ele não participaria da reunião com os loteadores [fl. 07]? A depoente chegou a falar pessoalmente com ele sobre ela?
Resposta: Que diante das informações obtidas junto à Secretaria de Urbanismo de Patrocínio, o empreendimento ficou paralisado, desmotivando todos os envolvidos, até que no início de fevereiro de 2022 a depoente fez contato com a Secretária do Prefeito de Patrocínio, Vivília, pedindo uma audiência com o Chefe do Executivo, quando então conseguiu agendar uma primeira reunião com Ailon, Assessor de Gabinete do Prefeito, para tratar do loteamento “Residencial Florenza”.
Que esta reunião aconteceu na sala do Assessor no dia 08 de fevereiro de 2022. Que se fizeram presentes nesta audiência a depoente, Patrícia Tolentino (engenheira civil) e Valdir Domingos (sócio do empreendimento). Que obviamente quem autorizou a reunião foi o Prefeito Deiró Borges [sic], até porque ela foi conduzida pelo seu assessor direto. Que a depoente nunca teve contato direito com o Prefeito Deiró Borges para tratar deste loteamento, nem mesmo o conhecendo de vista.
g) Tendo participado da reunião, o que foi tratado nela? Pela leitura dos transcritos das conversas no aplicativo Whatsapp, fica evidenciado ter sido feito, por parte do representante da Prefeitura na reunião, alguma proposta considerada “imoral” (já que o representante, o desembargador Alexandre Quintino Santiago, e a testemunha Ivan Melo Franco Dias a conceituaram como um ato de corrupção).
Qual foi a proposta e quem a fez? Como foi feita? Foi usado o nome do Prefeito?
Resposta: Que após a primeira audiência, o assessor Ailon fez contato com a depoente, via Whatsapp solicitando uma nova reunião, mas deixando claro que somente a depoente é quem deveria participar. Que a depoente compareceu na Sede da Prefeitura de Patrocínio às 17:40 horas acreditando que no dia 09 de fevereiro de 2002 esteve na sala do Assessor Ailon o qual lhe informou que o Prefeito/Prefeitura tinha interesse na quadra 20, composta por 13 (treze) lotes, totalizando aproximadamente 8.000m², situada em frente a Avenida José Armando de Queiroz, considerada a área mais valorizada do empreendimento, para repassar a um investidor.
h) Teria sido proposta a venda de alguns lotes, por preço abaixo de mercado, para alguma empresa ou pessoa física? Se positiva a resposta, qual empresa seria e quem seria a pessoa física?
Resposta: que o assessor Ailon, em nome do Prefeito, propôs pagar R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pela quadra 20, em 30 (trinta) pagamentos, não sendo declinado, em momento algum, o nome do investidor. Que a depoente achou absurda a proposta, seja em razão do ínfimo valor ofertado. Que, além disso, a Mega Empreendimentos deveria levar tal proposta ao conhecimento dos herdeiros/parceiros. Em uma segunda conversa com o secretário Ailon, na Prefeitura de Patrocínio, este informou a depoente que seria do interesse do Prefeito a construção de um condomínio familiar, que atendesse ele, o Prefeito, e seus familiares.
i) Além dessas pessoas, quem mais não concordou com a proposta?
Resposta: que todos os herdeiros concordaram com a venda, objetivando viabilizar a aprovação do empreendimento.
j) Depois desta reunião, foi feito algum contato com o representante da Prefeitura informando sobre o entendimento do grupo? Se foi feito, para quem foi feita esta informação?
Resposta: que a situação hoje está totalmente paralisada na Prefeitura de Patrocínio-MG.
k) Fica a critério do PJ proceder a qualquer outra indagação a respeito dos fatos. Perguntado à depoente se houve interesse do grupo de judicializar a questão.
Resposta: que está sendo aviado um mandado de segurança, objetivando a desobstrução dos entraves administrativos injustificados. (destacamos) A testemunha Patrícia Isabel Toletino, perante o Ministério Público (mídia de fl. 72), prestou depoimento no qual confirmou que se reuniu com Ailon Luiz Júnior em duas oportunidades, corroborando o depoimento de Maria Abadia. Segundo a testemunha, em uma das reuniões na prefeitura participou com Maria Abadia e Valdir e outra somente com a Maria Abadia, todas com Ailon. Na primeira reunião, reuniram-se ela, Ailon, Maria Abadia e Valdir.
Asseverou que Ailon queria negociar uma área do empreendimento, com pagamento de forma facilitada, que seria adquirida por uma empresa.
Explicou que Ailon mencionou o valor que seria pago pela área, mas que seria dividido em 30 (trinta) parcelas, ressaltando que foi na segunda reunião que foi tratado esse assunto.
Por sua vez, a testemunha Valdir José Domingues, perante o Ministério Público (mídia de fl. 79), narrou que participou de duas reuniões com Ailon, no gabinete dele, sendo essas reuniões convocadas pelo próprio acusado.
Segundo a testemunha, o assunto das reuniões era uma contrapartida, consistente na venda de uma área do loteamento, a preço irrisório, dividido em várias parcelas, que a Prefeitura estava querendo para aprovar o empreendimento. Asseverou que Ailon requereu a venda de 18 (dezoito) a 20 (vinte) lotes do empreendimento para viabilizar a aprovação do loteamento. Ressaltou que, no início, Ailon falou que os lotes eram para o Prefeito e parentes dele. Explicou que quando não foi aceita a venda dos lotes, a Prefeitura requereu a mudança de todo o loteamento, inviabilizando o projeto. Afirmou que na reunião estava presente ele, Ailon, Maria Abadia e Patrícia.
Ponderou que pensa que isso se trata de propina, externando sua indignação com o caso.
Como se denota, três testemunhas, que, a princípio, não possuíam nenhum objetivo de prejudicar os acusados, afirmaram, com certeza, que Ailon solicitou a venda de lotes do empreendimento para o Prefeito e seus familiares, em troca da aprovação do loteamento, sendo que Maria Abadia até declinou as datas em que ocorreram tais reuniões.
Dessa forma, há indícios razoáveis de que Ailon exigiu para outrem, o prefeito Deiró, agindo, em tese, em nome desse, vantagem indevida, consistente na venda de 20 (vinte) lotes do loteamento a preço abaixo do mercado, para aprovar o empreendimento.
Nesse sentido, cabe ressaltar que para a configuração do delito tipificado no art. 316 do Código Penal não é sequer necessário o recebimento da vantagem indevida, sendo esse mero exaurimento do crime, por se tratar de delito formal.
Neste viés, cabe ressaltar que, de fato, a transcrição dos depoimentos prestados perante o Ministério Público não apresenta boa qualidade, contudo, as mídias com a íntegra dos depoimentos foram juntadas aos autos, possibilitando que as Defesas tivessem acesso à integra dos depoimentos das testemunhas.
Ademais, cabe rechaçar a tese das Defesas de que não havia lotes demarcados ainda, pois há o projeto do loteamento, que poderá ser juntado aos autos em qualquer momento, ou os fatos podem ser melhor esclarecidos pelas testemunhas durante a instrução criminal, se esses lotes faziam parte do projeto ou se eram oriundos das alterações supostamente solicitadas pelo prefeito Deiró.
Logo, colhem-se indícios suficientes para justificar o regular processamento da ação penal.
Importa frisar que, neste momento processual, descabe digressão aprofundada de matéria fática ou mesmo jurídica, competindo ao julgador apreciar a presença da justa causa no afã de evitar constrangimento ilegal aos denunciados, a qual restou explícita pela documentação colacionada, estando de modo razoável indicada a autoria e a materialidade delitiva.
Reconheço, ainda, que parte das alegações defensivas refere-se a questões que envolvem a própria realização da instrução criminal e, por isso, jamais poderiam ser antecipadamente apreciadas, sob pena de exterminar o devido processo legal.
Daí, evitando exaurir a matéria, até porque aqui se debate apenas admissibilidade da exordial acusatória, os documentos até então coligidos aos autos, conferem, no meu entendimento, subsídio fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da persecução penal, afastando a tese de ausência de justa causa, não havendo que se falar em rejeição da denúncia, e, muito menos em absolvição sumária dos acusados.
Desse modo, ao menos em um juízo de cognição sumária, podemos extrair indícios de que houve um prévio ajuste para solicitar vantagem indevida aos proprietários do empreendimento para que ocorresse sua aprovação.
Além disso, quaisquer dúvidas levantadas sobre a inexistência das reuniões ou participação dos investigados no caso resolvem-se, por ora, em favor da sociedade, sendo que, no momento oportuno, deverão ser mais bem apuradas as condições em que, supostamente, ocorreu a solicitação das vantagens indevidas, motivo pelo qual o recebimento da denúncia é medida necessária no presente caso.
2.2- DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO
A Procuradoria Geral de Justiça, nas fls. 145/148 e nas fls. 279/283, solicita o afastamento cautelar do Prefeito Deiró Moreira Marra, sob o argumento de que deve ser preservada a moralidade pública, devendo serem adotadas medidas enérgicas contra os agentes políticos que se utilizam do cargo para a prática de crimes.
Da detida análise dos autos e dos argumentos suscitados pelo douto Procurador Geral de Justiça, entendo que o pleito deve ser indeferido, pelos motivos que passo a expor.
É cediço que o afastamento cautelar do Prefeito do cargo não é consequência natural do recebimento da denúncia, devendo estar fundamentado em circunstâncias concretas e nas hipóteses do art. 2º, inciso II, do Decreto
Lei nº 201/1967, que dispõe:
Art. 2º O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações:
I – Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo.
II – Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos.
III – Do despacho, concessivo ou denegatório, de prisão preventiva, ou de afastamento do cargo do acusado, caberá recurso, em sentido estrito, para o Tribunal competente, no prazo de cinco dias, em autos apartados. O recurso do despacho que decreta a prisão preventiva ou o afastamento do cargo terá efeito suspensivo. (grifamos).
Por sua vez, o art. 1º, incisos I e II, do Decreto Lei nº 201/1967 estabelece:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
Il – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;
Da análise do caso, infere-se que o crime imputado ao Prefeito, em tese, não provocou dano ao erário municipal, consistindo em requisição de vantagem indevida aos proprietários do Loteamento Florenza. Dessa forma, sua suposta conduta, apesar da reprovabilidade, não constituiu de apropriação de bens ou rendas públicas, ou desvio dessas, bem como de utilização indevida de bens, rendas ou serviços públicos.
Além disso, não há nos autos provas de que o Prefeito esteja agindo com o intuito de destruir ou adulterar provas, ou interferir na instrução criminal, de modo que me parece desproporcional, nesse momento processual, o afastamento cautelar do cargo.
Isso porque deve ser preservada a harmonia entre os Poderes da República, conforme disposição constitucional (art. 2º da CR/1988), de modo que o afastamento cautelar do prefeito, eleito democraticamente pelos cidadãos da cidade, só poderá ocorrer em situações excepcionais, em que há risco ao erário ou instrução criminal, o que não restou demonstrado nos autos.
Além disso, se no acórdão de fls. 157/171v, em que Deiró Moreira Marra foi condenado pelo delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), não houve decretação do afastamento cautelar do cargo ou perda desse, devido às repercussões na administração pública, entendo que a suposta prática de outro delito, sem dano ao erário, como explicitado alhures, em outro mandato, não poderia acarretar a decretação da medida extrema nesse momento processual, em que houve somente o recebimento da denúncia, demandando produção de mais provas.
Há, de fato, indícios da prática de outros delitos pelo Prefeito Deiró Moreira Marra, como se denota do acórdão de fls. 172/176, em que foi recebida uma denúncia pela prática de crime de contratação ilegal de servidores, ocorrida no ano de 2019, portanto, também em outro mandato do Prefeito, porém, como salientado acima, em relação ao presente processo, deveria ser comprovada a prática de atos com o objetivo de destruição ou adulteração de provas ou outros que visassem conturbar a instrução criminal, o que não houve no presente caso.
Não se ignora que o art. 37 da Constituição da República de 1988 dispõe que a administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sendo inquestionável que a prática de crimes por agentes públicos ofendem integralmente esses princípios. Contudo, até mesmo em respeito ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CR/88) e à soberania popular, o afastamento cautelar do chefe do poder executivo municipal é medida de ultima ratio.
Com base nesses argumentos, INDEFIRO o pleito de afastamento cautelar do Prefeito Deiró Moreira Marra.
3- CONCLUSÃO
Por todo o exposto, REJEITO as preliminares arguidas pelas Defesas, RECEBO a denúncia nos termos propostos e INDEFIRO o pleito de afastamento cautelar do prefeito.
É como voto.
Caso este voto prevaleça, após a publicação do respectivo acórdão, retornem os autos conclusos para efeitos do art. 7º e seguintes da Lei nº 8.038/1990.
DES. BRUNO TERRA DIAS – De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. PAULA CUNHA E SILVA – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. RUBENS GABRIEL SOARES – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCO ANTÔNIO DE MELO – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “REJEITARAM AS PRELIMINARES DEFENSIVAS, RECEBERAM A DENÚNCIA E INDEFERIRAM O PLEITO DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO”
Acordao_100002207561000002023496048
Acordao_100002218207560002023504066
Processo: 1.0000.22.182075-6/000
Relator: Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques
Relator do Acordão: Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques
Data do Julgamento: 11/04/2023
Data da Publicação: 14/04/2023
EMENTA: PROCESSO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA – CRIME PREVISTO NO ART. 316 DO CÓDIGO PENAL –
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – PRELIMINARES DEFENSIVAS – RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DAS CONVERSAS DE WHATSAPP JUNTADAS AOS AUTOS – INCABÍVEL – AUSÊNCIA DE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA – INEXISTÊNCIA DE PROVAS DE ADULTERAÇÃO DA PROVA – INÉPCIA DA DENÚNCIA – REJEIÇÃO DA TESE – DESCRIÇÃO DO FATO CRIMINOSO E DE SUAS CIRCUNSTÂNCIAS – PREFACIAIS REJEITADAS – MÉRITO – RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – IMPERTINÊNCIA – PRESENÇA DE INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE – HIPÓTESES DE REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INEXISTENTES – RECEBIMENTO NECESSÁRIO – DENÚNCIA RECEBIDA -AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO – IMPOSSIBILIDADE – CRIME COMETIDO, EM TESE, SEM DANO AO ERÁRIO – AUSÊNCIA DE PROVAS DA UTILIZAÇÃO DO CARGO PARA DESTRUIÇÃO OU ADULTERAÇÃO DE PROVAS OU DA PRÁTICA DE OUTROS DELITOS – MEDIDA EXTREMA QUE NÃO SE AFIGURA RAZOÁVEL NO CASO – PLEITO INDEFERIDO.
– As conversas de Whatsapp colacionadas aos autos não se configuram, a princípio, provas ilícitas, posto que fornecidas pelo próprio participante do grupo, não sendo demonstrada, por ora, adulteração da prova, sendo inviável o acolhimento da tese de quebra da cadeia de custódia.
– Restando descrito na denúncia fato que constitui, em tese, delito, com todas as características e circunstâncias a esse inerentes, permitindo aos investigados o exercício do contraditório e da ampla defesa, não há que se falar em inépcia.
– Necessário o recebimento da denúncia que se encontra fundamentada em contundentes indícios probatórios da materialidade e da autoria delitivas, eis que, apenas após a instrução processual será possível se aferir certeza sobre a presença, ou não, do elemento subjetivo do tipo, predominando nessa fase o princípio in dubio pro societate.
– Se o crime foi, em tese, cometido sem dano ao erário e não há provas de que o prefeito esteja se utilizando do cargo para a destruição ou adulteração de provas ou prática de outros delitos, incabível determinar o afastamento cautelar do acusado do cargo que ocupa nesse momento processual, por ser uma medida extrema que deve ser adotada somente em casos excepcionais.
AÇÃO PENAL – ORDINÁRIO Nº 1.0000.22.182075-6/000 – COMARCA DE PATROCÍNIO – DENUNCIANTE(S):
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PG JUSTIÇA – DENUNCIADO(A)S:
DEIRO MOREIRA MARRA PREFEITO(A) MUNICIPAL DE PATROCÍNIO, AILON LUIZ JUNIOR
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR AS PRELIMINARES DEFENSIVAS, RECEBER A DENÚNCIA E INDEFERIR O PLEITO DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO.
DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES
RELATOR
DES. JAUBERT CARNEIRO JAQUES (RELATOR)
V O T O
Cuida-se de procedimento investigatório instaurado contra o Prefeito do município de Patrocínio/MG, Deiró Moreira Marra, bem como em face de Ailon Luiz Junior em razão de terem solicitado vantagem indevida de Maria Abadia Garcia e dos proprietários do loteamento “Residencial Florenza” como condição para a aprovação do empreendimento imobiliário “Residencial Florenza”, sendo ambos denunciado.
Conforme se apurou durante as investigações, essas tiveram início em decorrência de representação firmada pelo Alexandre Quintino Santiago, Desembargador do TJMG, o qual informou que, em data não precisa, mas provavelmente no início de fevereiro de 2022, em uma reunião realizada na Prefeitura de Patrocínio/MG, para buscar a regularização do loteamento denominado “Florenza”, localizado no município de Patrocínio/MG, teria sido exigido, para sua regularização, pelo denunciado Ailon Luiz Junior, agindo a mando do denunciado Deiró Moreira Marra, que fossem vendidos, a preços bem abaixo dos de mercado, alguns lotes para determinada empresa, como condição para a solução dos entraves existentes, atinentes ao referido empreendimento imobiliário.
Segundo o representante, explicitando melhor, teria chegado ao conhecimento dele, por meio de um grupo de Whatsapp do qual fazia parte, que o denunciado Deiró Moreira Marra estaria exigindo, por meio do denunciado Ailon Luiz Junior, vantagem ilícita para aprovação do referido loteamento, consistente na venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado (fls. 02A/03 PIC).
Na ocasião, o representante entregou um pen-drive contendo as conversas entre os participantes do referido grupo de Whatsapp, o qual foi juntado à fl. 21 PIC.
Quanto ao mencionado loteamento residencial, o processo de aprovação junto à Prefeitura de Patrocínio/MG iniciou-se em novembro 2012, fl. 114 PIC, apurando-se, no início, a necessidade de regularização da matrícula, motivando a realização de vários inventários, licenças, retificação de área dentre outras ações.
Feito isso, a área passou a pertencer a uma grande gama de proprietários, sendo necessário, pelo alto custo do empreendimento, formar uma sociedade, sendo criada uma empresa em nome desses: “Dias Participações Ltda.”; e outra pelos investidores: “Florenza Empreendimentos Imobiliários”.
O imóvel foi incorporado na empresa dos proprietários e, posteriormente, uma nova incorporação dessa empresa na dos investidores, vindo, em decorrência disso, sido pago o valor de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) a título de ITBI.
Inicialmente, foi apresentado projeto urbanístico, sendo aprovadas as diretrizes em maio de 2014, porém, com a demora na conclusão do empreendimento, com a entrada em vigor de novo plano diretor, o projeto anterior perdeu sua aprovação, demandando novo trabalho, o qual veio ser aprovado em agosto de 2020.
O projeto urbanístico foi analisado e concluído, sendo possível dar sequência a todos os projetos complementares para a implantação do indigitado loteamento.
Como houve entraves em relação ao meio ambiente, foi firmado com o Ministério Público um “Termo de Ajustamento de Conduta”, vindo, em seguida, as adequações serem aprovadas por todos os envolvidos, porém, a licença ambiental venceu, o que motivou o empreendimento buscar junto à Prefeitura a necessária aprovação de modo urgente, diante da demora da tramitação do procedimento.
Nesse momento, quando da obtenção da licença ambiental, a qual é condicionada à aprovação prévia do Município, o denunciado Ailon Luiz Júnior, agindo a mando do denunciado Deiró Moreira Marra, passou a “extorquir” os representantes do empreendimento, exigindo vantagem indevida para a liberação dela.
Os acusados foram notificados pessoalmente para oferecer resposta preliminar, nos termos do art. 4° da Lei n° 8.038/1990, tendo apresentado essa por meio de seus defensores constituídos.
A Defesa de Deiró Moreira Marra apresentou resposta preliminar às fls. 207/218, alegando, preliminarmente, que as conversas de Whatsapp juntadas aos autos constituem prova ilícita, visto que não possuem autenticação e representam quebra da cadeia de custódia. No mérito, assevera que não há justa causa para a deflagração da ação penal, porquanto estão ausentes provas de autoria e materialidade do crime imputado. Argumenta que não há delimitação de quadras ou lotes do empreendimento, sendo impossível a exigência de determinada área. Aduz que nunca conversou com as pessoas citadas na denúncia, ressaltando que foi aberto procedimento administrativo disciplinar contra o funcionário da prefeitura Ailon Luiz Júnior, em razão das denúncias.
Desse modo, requer a declaração de nulidade das provas consistentes em conversas de Whatsapp juntada aos autos, com o consequente desentranhamento dessas; e também a rejeição da denúncia, por ausência de justa causa.
A Defesa do acusado Ailon Luiz Junior apresentou resposta preliminar às fls. 261/274, alegando, preliminarmente, que as conversas de Whatsapp não possuem autenticação, representando quebra da cadeia de custódia, razão pela qual devem ser desentranhadas dos autos, por serem manifestamente nulas.
Ainda em sede prefacial, argumenta que a denúncia é inepta, pois não descreve detalhadamente a conduta praticada pelos acusados. No mérito, pondera que o acusado é secretário de administração, não tendo envolvimento nenhum com a eventual aprovação do projeto, ressaltando que o denunciado nunca esteve reunido com nenhuma das pessoas citadas. Salienta que a denúncia não descreve qual vantagem indevida o acusado Ailon receberia. Desse modo, pleiteia o reconhecimento da nulidade das provas consistentes em conversa de Whatsapp e a rejeição da denúncia.
Com o regular trâmite do feito e após detida análise do acervo probatório colacionado aos autos, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, mediante parecer do Procurador Joaquim F. Ramos Filho (fls. 279/283), requereu a rejeição das prefaciais ventiladas, bem como o recebimento da denúncia e afastamento cautelar do denunciado Deiró Moreira Marra do cargo de prefeito, em razão de sua reiteração delitiva e para preservar a moralidade pública, fazendo referência à solicitação de fls. 145/148.
É o relatório. Decido.
Precipuamente, antes de se adentrar especificamente nas teses defensivas aviadas, cumpre registrar que todo o exame que se faz nessa fase pauta-se apenas pelo juízo de probabilidade e não de certeza, sendo recomendável interromper prematuramente apenas aquelas denúncias que aparentem temerárias, completamente despojadas de lastro probatório ou notoriamente insustentáveis.
Exceto isso, o caminho tende a ser o do prosseguimento da ação penal, porque deve preponderar o interesse da sociedade em ver apurado o fato criminoso em todas suas nuances e especificidades, em detrimento do interesse particular dos envolvidos, o que somente é possível através da instrução probatória, ressalvadas, logicamente, todas as garantias previstas na Constituição da República.
Dúvidas, se existentes, não devem obstar, assim, o recebimento da denúncia, porque, neste momento processual, prevalece o princípio in dubio pro societate.
Compulsando detidamente os presentes autos, vislumbra-se que foram apresentadas variadas teses defensivas, as quais serão a seguir analisadas.
1- DAS PRELIMINARES SUSCITADAS
1.1- Da suposta ilicitude das provas consistentes em conversas de Whatsapp juntada aos autos.
Inicialmente, as Defesas de Deiró Moreira Marra e Ailon Luiz Júnior suscitam preliminar de nulidade das conversas de Whatsapp juntadas aos autos, alegando que há ofensa à cadeia de custódia e que essas não foram autenticadas.
Contudo, essa tese não merece guarida.
Primeiramente, cabe consignar que um integrante do grupo de discussão, referente à regularização do loteamento “Residencial Florenza”, apresentou ao Ministério Público um pen-drive contendo todas as conversas do referido grupo, não sendo, a princípio, prova ilícita.
Segundo, não há que se falar em quebra da cadeia de custódia, porquanto não há nenhum indício de adulteração do conteúdo das conversas, tanto que as Defesas não questionam a veracidade das mensagens, que, diga-se de passagem, foram corroboradas por depoimentos prestados pelas testemunhas perante o Ministério Público.
Nesse sentido, cabe consignar que a cadeia de custódia não é um fim em si mesma, sendo sua finalidade última a preservação da autenticidade da prova licitamente obtida. Isto é, quanto mais robusta a cadeia de custódia de determinado elemento, menor a margem para questionamentos quanto a sua autenticidade.
Acerca do tema, lecionam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:
Cadeia de custódia e a autenticidade da prova – Uma cadeia de custódia dos vestígios fidedigna aos ditames legais diminui a probabilidade de violação ou de contaminação, seja acidental ou dolosa, da amostra, garantindo-se a autenticidade do elemento de prova.
Autenticidade consiste na certeza de que o objeto em análise provém das fontes anunciadas e que não foi alvo de mutações ao longo de um processo, assegurando-se a identificação e a segurança da origem da informação.
O que se persegue com a preservação e a observância às etapas da cadeia de custódia é o nível máximo de autenticidade da prova pericial, isto é, a propriedade do vestígio preservado genuinamente em sua essência. […]
(Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados – 6ª. Ed. Rev e atual Salvador:
Editora: JusPodivm, 2021, p. 552/553)
Eventuais irregularidades ocorridas ao longo desse processo, por sua vez, não levam à imprestabilidade da prova em si, cuja confiabilidade deverá ser aferida pelo julgador por meio da análise das circunstâncias do caso e dos demais elementos probatórios reunidos nos autos.
Nesse sentido, segue a lição doutrinária:
Quando se discute preservação do vestígio e a garantia da autenticidade da prova, não se pode olvidar sobre a possibilidade de sua contaminação, gerada, por exemplo, pela presença de pessoa não autorizada no local do fato, acondicionamento inadequado do material coletado, ausência de identificação de todos os agentes que tiverem contato com o vestígio nas diversas fases da cadeia etc.
Nesse quadro, inevitável a pergunta: a falha em alguma etapa da cadeia de custódia terá qual consequência? Passa a ser ilegal? Deixa de ser autêntica? Poderíamos escalonar a autenticidade em graus? Absoluta, média ou reduzida? O juiz poderá rejeitar essa prova? Ou atribuir um valor mitigado pelo grau de autenticidade alcançado?
Em que pese corrente em sentido contrário, entendemos que a não observância dos regramentos da cadeia de custódia não pode ser rotulada (ou confundida) com a obtenção ilegal de prova. A prova a ser custodiada é legal, pois, do contrário, nem merece ser guardada.
No capítulo em estudo, o elemento objeto da custódia não tem vícios instrumentais na sua obtenção, processuais ou legais. Em razão de algum evento acidental ou intencional, tem maculada a sua custódia genuína. Isso interfere na sua qualidade.
Nossa posição é a de que a prova permanece legítima e lícita, podendo ser questionada a sua autenticidade. Seu valor será maior ou menor quanto mais ou menos se respeitou o procedimento da cadeia de custódia. Não pode ser descartada pelo juiz, mas valorada. […] (Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados – 6ª. Ed. Rev e atual Salvador: Editora: JusPodivm, 2021, p. 552/553) (grifamos).
Portanto, as conversas no grupo de Whatsapp são provas válidas, tidas como autênticas em razão da inexistência de provas em sentido diverso até esse momento, razão pela qual incabível, por ora, o reconhecimento da nulidade.
Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXTORSÃO. NULIDADE DA PROVA. PRINTS DE MENSAGENS PELO WHATSAPP. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADULTERAÇÃO DA PROVA OU DE ALTERAÇÃO DA ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONVERSAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade.
Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita.
2. No presente caso, não foi verificada a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, pois em nenhum momento foi demonstrado qualquer indício de adulteração da prova, ou de alteração da ordem cronológica da conversa de WhatsApp obtida através dos prints da tela do aparelho celular da vítima.
3. In casu, o magistrado singular afastou a ocorrência de quaisquer elementos que comprovassem a alteração dos prints, entendendo que mantiveram “uma sequência lógica temporal”, com continuidade da conversa, uma vez que “uma mensagem que aparece na parte de baixo de uma tela, aparece também na parte superior da tela seguinte, indicando que, portanto, não são trechos desconexos”.
4. O acusado, embora tenha alegado possuir contraprova, quando instado a apresentá-la, furtou-se de entregar o seu aparelho celular ou de exibir os prints que alegava terem sido adulterados, o que só reforça a legitimidade da prova.
5. “Não se verifica a alegada ‘quebra da cadeia de custódia’, pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova”.
(HC 574.131/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/8/2020, DJe 4/9/2020).
6. As capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, que foi calcada também em outros elementos de prova, como o próprio interrogatório do acusado, comprovantes de depósito, além das palavras da vítima.
7. Se as instâncias ordinárias compreenderam que não foi constatado qualquer comprometimento da cadeia de custódia ou ofensa às determinações contidas no art. 158-A do CPP, o seu reconhecimento, neste momento processual, demandaria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, o que, como é sabido, não é possível na via do habeas corpus.
7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 752.444/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022.) (destacamos).
Com base nesses argumentos, REJEITO a preliminar de nulidade das provas consistentes em conversas de Whatsapp.
1.2- Da inépcia da denúncia.
Segundo ponderado pela Defesa de Ailon Luiz Júnior, a denúncia é inepta, porquanto teria sido omissa quanto à descrição dos elementos essenciais do tipo imputado na exordial consistentes na especificação da vantagem indevida obtida pelo denunciado e em elementos essenciais que deveriam constar na exordial acusatória.
A alegação de inépcia da peça acusatória não se sustenta uma vez que os requisitos formais da denúncia, contidos no art. 41 do Código de Processo Penal, restaram devidamente preenchidos.
Por simples leitura, extrai-se da peça acusatória a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime imputado, além da juntada de farto acervo documental e a apresentação do rol de testemunhas.
Além disso, verifica-se às fls. 02v/06 que o Parquet teve o cuidado de individualizar a conduta de cada denunciando, demonstrando qual foi sua participação em cada crime, propiciando o pleno exercício da defesa.
A prova disso é que todos os acusados ofereceram extensas defesas prévias, impugnando cada ponto da denúncia, demonstrando-se que a narrativa fática nela constante é inteligível, clara e suficiente para garantir o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Digno de nota ressaltar que a denúncia fez menção expressa ao elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na vontade livre e consciente de requerer vantagem indevida, consistente em venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado, em razão da função, para aprovação do loteamento “Residencial Florenza”, o que basta para os fins a que se exige o art. 41 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, cabe consignar que não é necessário que a denúncia descreva a vantagem indevida que Ailon receberia, posto que o tipo penal é claro ao dispor “exigir, para si ou para outrem”, sendo que, no presente caso, Ailon, supostamente, exigiu a vantagem indevida para o prefeito, o codenunciado Deiró.
Dessa forma, REJEITO a preliminar de inépcia da denúncia e passo à análise do mérito.
2- MÉRITO
2.1- DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
Ultrapassadas as teses preliminares, constato que os documentos acostados no caderno processual conferem elementos suficientes para o regular desenvolvimento da ação penal, sendo que, ao menos por um juízo de probabilidade, colhem-se indícios de envolvimento dos acusados, o que desautoriza a interrupção prematura desta ação penal, conforme se deflui a seguir.
Em relação ao alcaide Deiró Moreira Marra, as provas demonstram indícios de autoria de que ele teria solicitado, por intermédio do denunciado Ailon Luiz Júnior, vantagem indevida, consistente na venda de lotes a preços mais baixos dos de mercado, para a aprovação do loteamento denominado “Florenza”.
As Defesas dos denunciados alegam que eles nunca se reuniram com tais pessoas, de modo que a denúncia careceria de justa causa para seu recebimento.
Porém, as provas dos autos demonstram que há indícios de que Ailon se reuniu com Maria Abadia Garcia Vecchi e, nessa reunião, solicitou a mencionada vantagem indevida aos proprietários do loteamento, senão vejamos.
Na primeira reunião, ocorrida em 08/02/2022, Ailon se reuniu com Maria Abadia Garcia Vecchi, Valdir José Domingues e Patrícia Isabel Tolentino. Nessa reunião, aparentemente, não houve a exigência de nenhuma vantagem indevida. Porém, posteriormente, em 09/02/2022, Ailon agendou uma nova reunião com Maria Abadia, na qual ela deveria comparecer sozinha, ocasião em que Ailon lhe informou que o prefeito teria interesse na quadra 20, composta por 13 (treze) lotes, totalizando 8.000m² (oito mil metros quadrados), estando disposto a pagar a quantia de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), parcelado em 30 (trinta) vezes.
Vejamos o depoimento de Maria Abadia Garcia Vecchi prestado perante o Ministério Público (fls. 58v/60v):
(…)
d) A depoente tem conhecimento de quais os entraves administrativos que a atual administração de Patrocínio-MG vem apresentando para a regularização do loteamento?
Resposta: que em agosto de 2021 a depoente esteve na Secretaria de Urbanismo de Patrocínio e conversou com a Secretária Ione, a qual informou à depoente que naquele departamento não existia nenhum impedimento administrativo, ou seja, todas as exigências municipais haviam sido atendidas.
e) Na transcrição das conversas do grupo (documentos em anexo), transparece ter a depoente participado de uma reunião na Prefeitura de Patrocínio-MG, para tratar de assuntos relacionados à regularização do loteamento.
Realmente a depoente participou? Se positiva a resposta, quando ela ocorreu e em que local foi realizada na Prefeitura? Quem estava presente além da depoente? Quem estava representando a Prefeitura?
Resposta: Como o Setor de Urbanismo não liberou a Certidão de Conclusão dos Projetos, a depoente retornou nesta Secretaria no dia 13 de janeiro de 2022, para saber o que estava acontecendo, quando a Secretária Ione e o engenheiro do município Orlando informaram-lhe que o prefeito Deiró Borges [sic] determinou diversas alterações no projeto original, a tal ponto de inviabilizar o empreendimento.
f) Tendo participado da reunião, como se deu o seu agendamento?
Quais os contatos que a depoente fez na Prefeitura para agendá-la? O Prefeito tomou conhecimento do interesses da reunião, pois pela leitura dos transcritos das conversas no aplicativo Whatsapp transparece que sim, pois é afirmado que ele não participaria da reunião com os loteadores [fl. 07]? A depoente chegou a falar pessoalmente com ele sobre ela?
Resposta: Que diante das informações obtidas junto à Secretaria de Urbanismo de Patrocínio, o empreendimento ficou paralisado, desmotivando todos os envolvidos, até que no início de fevereiro de 2022 a depoente fez contato com a Secretária do Prefeito de Patrocínio, Vivília, pedindo uma audiência com o Chefe do Executivo, quando então conseguiu agendar uma primeira reunião com Ailon, Assessor de Gabinete do Prefeito, para tratar do loteamento “Residencial Florenza”.
Que esta reunião aconteceu na sala do Assessor no dia 08 de fevereiro de 2022. Que se fizeram presentes nesta audiência a depoente, Patrícia Tolentino (engenheira civil) e Valdir Domingos (sócio do empreendimento). Que obviamente quem autorizou a reunião foi o Prefeito Deiró Borges [sic], até porque ela foi conduzida pelo seu assessor direto. Que a depoente nunca teve contato direito com o Prefeito Deiró Borges para tratar deste loteamento, nem mesmo o conhecendo de vista.
g) Tendo participado da reunião, o que foi tratado nela? Pela leitura dos transcritos das conversas no aplicativo Whatsapp, fica evidenciado ter sido feito, por parte do representante da Prefeitura na reunião, alguma proposta considerada “imoral” (já que o representante, o desembargador Alexandre Quintino Santiago, e a testemunha Ivan Melo Franco Dias a conceituaram como um ato de corrupção).
Qual foi a proposta e quem a fez? Como foi feita? Foi usado o nome do Prefeito?
Resposta: Que após a primeira audiência, o assessor Ailon fez contato com a depoente, via Whatsapp solicitando uma nova reunião, mas deixando claro que somente a depoente é quem deveria participar. Que a depoente compareceu na Sede da Prefeitura de Patrocínio às 17:40 horas acreditando que no dia 09 de fevereiro de 2002 esteve na sala do Assessor Ailon o qual lhe informou que o Prefeito/Prefeitura tinha interesse na quadra 20, composta por 13 (treze) lotes, totalizando aproximadamente 8.000m², situada em frente a Avenida José Armando de Queiroz, considerada a área mais valorizada do empreendimento, para repassar a um investidor.
h) Teria sido proposta a venda de alguns lotes, por preço abaixo de mercado, para alguma empresa ou pessoa física? Se positiva a resposta, qual empresa seria e quem seria a pessoa física?
Resposta: que o assessor Ailon, em nome do Prefeito, propôs pagar R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pela quadra 20, em 30 (trinta) pagamentos, não sendo declinado, em momento algum, o nome do investidor. Que a depoente achou absurda a proposta, seja em razão do ínfimo valor ofertado. Que, além disso, a Mega Empreendimentos deveria levar tal proposta ao conhecimento dos herdeiros/parceiros. Em uma segunda conversa com o secretário Ailon, na Prefeitura de Patrocínio, este informou a depoente que seria do interesse do Prefeito a construção de um condomínio familiar, que atendesse ele, o Prefeito, e seus familiares.
i) Além dessas pessoas, quem mais não concordou com a proposta?
Resposta: que todos os herdeiros concordaram com a venda, objetivando viabilizar a aprovação do empreendimento.
j) Depois desta reunião, foi feito algum contato com o representante da Prefeitura informando sobre o entendimento do grupo? Se foi feito, para quem foi feita esta informação?
Resposta: que a situação hoje está totalmente paralisada na Prefeitura de Patrocínio-MG.
k) Fica a critério do PJ proceder a qualquer outra indagação a respeito dos fatos. Perguntado à depoente se houve interesse do grupo de judicializar a questão.
Resposta: que está sendo aviado um mandado de segurança, objetivando a desobstrução dos entraves administrativos injustificados. (destacamos) A testemunha Patrícia Isabel Toletino, perante o Ministério Público (mídia de fl. 72), prestou depoimento no qual confirmou que se reuniu com Ailon Luiz Júnior em duas oportunidades, corroborando o depoimento de Maria Abadia. Segundo a testemunha, em uma das reuniões na prefeitura participou com Maria Abadia e Valdir e outra somente com a Maria Abadia, todas com Ailon. Na primeira reunião, reuniram-se ela, Ailon, Maria Abadia e Valdir.
Asseverou que Ailon queria negociar uma área do empreendimento, com pagamento de forma facilitada, que seria adquirida por uma empresa.
Explicou que Ailon mencionou o valor que seria pago pela área, mas que seria dividido em 30 (trinta) parcelas, ressaltando que foi na segunda reunião que foi tratado esse assunto.
Por sua vez, a testemunha Valdir José Domingues, perante o Ministério Público (mídia de fl. 79), narrou que participou de duas reuniões com Ailon, no gabinete dele, sendo essas reuniões convocadas pelo próprio acusado.
Segundo a testemunha, o assunto das reuniões era uma contrapartida, consistente na venda de uma área do loteamento, a preço irrisório, dividido em várias parcelas, que a Prefeitura estava querendo para aprovar o empreendimento. Asseverou que Ailon requereu a venda de 18 (dezoito) a 20 (vinte) lotes do empreendimento para viabilizar a aprovação do loteamento. Ressaltou que, no início, Ailon falou que os lotes eram para o Prefeito e parentes dele. Explicou que quando não foi aceita a venda dos lotes, a Prefeitura requereu a mudança de todo o loteamento, inviabilizando o projeto. Afirmou que na reunião estava presente ele, Ailon, Maria Abadia e Patrícia.
Ponderou que pensa que isso se trata de propina, externando sua indignação com o caso.
Como se denota, três testemunhas, que, a princípio, não possuíam nenhum objetivo de prejudicar os acusados, afirmaram, com certeza, que Ailon solicitou a venda de lotes do empreendimento para o Prefeito e seus familiares, em troca da aprovação do loteamento, sendo que Maria Abadia até declinou as datas em que ocorreram tais reuniões.
Dessa forma, há indícios razoáveis de que Ailon exigiu para outrem, o prefeito Deiró, agindo, em tese, em nome desse, vantagem indevida, consistente na venda de 20 (vinte) lotes do loteamento a preço abaixo do mercado, para aprovar o empreendimento.
Nesse sentido, cabe ressaltar que para a configuração do delito tipificado no art. 316 do Código Penal não é sequer necessário o recebimento da vantagem indevida, sendo esse mero exaurimento do crime, por se tratar de delito formal.
Neste viés, cabe ressaltar que, de fato, a transcrição dos depoimentos prestados perante o Ministério Público não apresenta boa qualidade, contudo, as mídias com a íntegra dos depoimentos foram juntadas aos autos, possibilitando que as Defesas tivessem acesso à integra dos depoimentos das testemunhas.
Ademais, cabe rechaçar a tese das Defesas de que não havia lotes demarcados ainda, pois há o projeto do loteamento, que poderá ser juntado aos autos em qualquer momento, ou os fatos podem ser melhor esclarecidos pelas testemunhas durante a instrução criminal, se esses lotes faziam parte do projeto ou se eram oriundos das alterações supostamente solicitadas pelo prefeito Deiró.
Logo, colhem-se indícios suficientes para justificar o regular processamento da ação penal.
Importa frisar que, neste momento processual, descabe digressão aprofundada de matéria fática ou mesmo jurídica, competindo ao julgador apreciar a presença da justa causa no afã de evitar constrangimento ilegal aos denunciados, a qual restou explícita pela documentação colacionada, estando de modo razoável indicada a autoria e a materialidade delitiva.
Reconheço, ainda, que parte das alegações defensivas refere-se a questões que envolvem a própria realização da instrução criminal e, por isso, jamais poderiam ser antecipadamente apreciadas, sob pena de exterminar o devido processo legal.
Daí, evitando exaurir a matéria, até porque aqui se debate apenas admissibilidade da exordial acusatória, os documentos até então coligidos aos autos, conferem, no meu entendimento, subsídio fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da persecução penal, afastando a tese de ausência de justa causa, não havendo que se falar em rejeição da denúncia, e, muito menos em absolvição sumária dos acusados.
Desse modo, ao menos em um juízo de cognição sumária, podemos extrair indícios de que houve um prévio ajuste para solicitar vantagem indevida aos proprietários do empreendimento para que ocorresse sua aprovação.
Além disso, quaisquer dúvidas levantadas sobre a inexistência das reuniões ou participação dos investigados no caso resolvem-se, por ora, em favor da sociedade, sendo que, no momento oportuno, deverão ser mais bem apuradas as condições em que, supostamente, ocorreu a solicitação das vantagens indevidas, motivo pelo qual o recebimento da denúncia é medida necessária no presente caso.
2.2- DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO
A Procuradoria Geral de Justiça, nas fls. 145/148 e nas fls. 279/283, solicita o afastamento cautelar do Prefeito Deiró Moreira Marra, sob o argumento de que deve ser preservada a moralidade pública, devendo serem adotadas medidas enérgicas contra os agentes políticos que se utilizam do cargo para a prática de crimes.
Da detida análise dos autos e dos argumentos suscitados pelo douto Procurador Geral de Justiça, entendo que o pleito deve ser indeferido, pelos motivos que passo a expor.
É cediço que o afastamento cautelar do Prefeito do cargo não é consequência natural do recebimento da denúncia, devendo estar fundamentado em circunstâncias concretas e nas hipóteses do art. 2º, inciso II, do Decreto
Lei nº 201/1967, que dispõe:
Art. 2º O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações:
I – Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo.
II – Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos.
III – Do despacho, concessivo ou denegatório, de prisão preventiva, ou de afastamento do cargo do acusado, caberá recurso, em sentido estrito, para o Tribunal competente, no prazo de cinco dias, em autos apartados. O recurso do despacho que decreta a prisão preventiva ou o afastamento do cargo terá efeito suspensivo. (grifamos).
Por sua vez, o art. 1º, incisos I e II, do Decreto Lei nº 201/1967 estabelece:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
Il – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;
Da análise do caso, infere-se que o crime imputado ao Prefeito, em tese, não provocou dano ao erário municipal, consistindo em requisição de vantagem indevida aos proprietários do Loteamento Florenza. Dessa forma, sua suposta conduta, apesar da reprovabilidade, não constituiu de apropriação de bens ou rendas públicas, ou desvio dessas, bem como de utilização indevida de bens, rendas ou serviços públicos.
Além disso, não há nos autos provas de que o Prefeito esteja agindo com o intuito de destruir ou adulterar provas, ou interferir na instrução criminal, de modo que me parece desproporcional, nesse momento processual, o afastamento cautelar do cargo.
Isso porque deve ser preservada a harmonia entre os Poderes da República, conforme disposição constitucional (art. 2º da CR/1988), de modo que o afastamento cautelar do prefeito, eleito democraticamente pelos cidadãos da cidade, só poderá ocorrer em situações excepcionais, em que há risco ao erário ou instrução criminal, o que não restou demonstrado nos autos.
Além disso, se no acórdão de fls. 157/171v, em que Deiró Moreira Marra foi condenado pelo delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), não houve decretação do afastamento cautelar do cargo ou perda desse, devido às repercussões na administração pública, entendo que a suposta prática de outro delito, sem dano ao erário, como explicitado alhures, em outro mandato, não poderia acarretar a decretação da medida extrema nesse momento processual, em que houve somente o recebimento da denúncia, demandando produção de mais provas.
Há, de fato, indícios da prática de outros delitos pelo Prefeito Deiró Moreira Marra, como se denota do acórdão de fls. 172/176, em que foi recebida uma denúncia pela prática de crime de contratação ilegal de servidores, ocorrida no ano de 2019, portanto, também em outro mandato do Prefeito, porém, como salientado acima, em relação ao presente processo, deveria ser comprovada a prática de atos com o objetivo de destruição ou adulteração de provas ou outros que visassem conturbar a instrução criminal, o que não houve no presente caso.
Não se ignora que o art. 37 da Constituição da República de 1988 dispõe que a administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sendo inquestionável que a prática de crimes por agentes públicos ofendem integralmente esses princípios. Contudo, até mesmo em respeito ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CR/88) e à soberania popular, o afastamento cautelar do chefe do poder executivo municipal é medida de ultima ratio.
Com base nesses argumentos, INDEFIRO o pleito de afastamento cautelar do Prefeito Deiró Moreira Marra.
3- CONCLUSÃO
Por todo o exposto, REJEITO as preliminares arguidas pelas Defesas, RECEBO a denúncia nos termos propostos e INDEFIRO o pleito de afastamento cautelar do prefeito.
É como voto.
Caso este voto prevaleça, após a publicação do respectivo acórdão, retornem os autos conclusos para efeitos do art. 7º e seguintes da Lei nº 8.038/1990.
DES. BRUNO TERRA DIAS – De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. PAULA CUNHA E SILVA – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. RUBENS GABRIEL SOARES – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCO ANTÔNIO DE MELO – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “REJEITARAM AS PRELIMINARES DEFENSIVAS, RECEBERAM A DENÚNCIA E INDEFERIRAM O PLEITO DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO”