No último comunicado eletrônico expedido pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais na data de 02 de abril, foi anunciado que um processo relevante foi designado para julgamento virtual.
O processo em questão, identificado pelo relatório 10000233313428000 10917012024, teve seus autos devolvidos com um “pedido de dia” para julgamento, demonstrando a importância atribuída ao caso pelas autoridades judiciais.
Embora o teor exato do despacho ou decisão não tenha sido revelado no comunicado, foi informado que a íntegra do documento estará disponível para consulta no portal do TJMG a partir do dia 5 de abril de 2024.
PROC. INVESTIGATÓRIO MP: Nº 1.0000.23.331342-8/000 PATROCÍNIO 6ª CÂMARA CRIMINAL REQUERENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
REQUERIDO(A)(S): DEIRÓ MOREIRA MARRA PREFEITO(A) MUNICIPAL DE PATROCÍNIO
RELATÓRIO
Vistos, etc.
DEIRÓ MOREIRA MARRA, qualificado e representado nos autos, foi denunciado pelo Representante do Ministério Público do Estado de Minas Gerais como incurso nas sanções do art. 1º, inc. XIV, do Decreto-Lei nº 201/67 e do art. 63 da Lei 9.605/98 c/c art. 1º, inc. XIV, do Decreto-Lei nº 201/67, porque, segundo consta da exordial acusatória:
“(…) Segundo consta do incluso Procedimento Investigatório Criminal 1.0000.23.331342-8/000 (PIC 02.16.0024.0032160/2023-35 MPe), o denunciado Deiró Moreira Marra, no exercício do cargo de Prefeito Municipal de Patrocínio/MG, desde 20/11/2018, de forma injustificada, vem desobedecendo ordem judicial proferida na Ação Civil Pública de nº 0822333-10.2008.8.13.0481 ajuizada pelo Ministério Público Estadual com atuação na Comarca de Patrocínio/MG, isso ao permitir atividade extrativista na área tombada do ‘Conjunto Paisagístico da Serra do Cruzeiro e da APA Serra do Cruzeiro’, situado no Município de Patrocínio/MG, bem como, fruto de desígnio autônomo, posteriormente, ao diminuir sua área, mutilando-a e a alterando, a qual se encontrava protegida por lei e por decisão judicial, veio, também, negar execução ao disposto no art. 17 do Decreto-lei nº 25/37 (Lei Nacional do Tombamento); artigo 23, incisos III e IV, da CF; e ao artigo 163, caput, e § 4º, da Lei Orgânica do Município de Patrocínio/MG.
Conforme se apurou durante a investigação, essa se deu início em decorrência de documentação encaminhada pela Coordenadoria de Patrimônio Cultural do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, relatando, em síntese, ter o denunciado Deiró Moreira Marra, desatendendo ordem judicial e legislação específica, em evidente retrocesso ambiental, diminuído a área da ‘APA da Serra do Cruzeiro’ e permitido no local o exercício de atividade de extração minerária.
Muito tempo atrás, no ano de 2002, nesse mesmo local, em decorrência de intervenção sem licenciamento ambiental por parte da ‘Mineração Patrocinense Ltda’, a qual estava iniciando extração ilegal de brita, pedrisco e quartzito, causando sérios danos ambientais, foi essa conduta objeto de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ensejando até audiência pública a condenando, motivando, ainda, o tombamento da área por meio do Decreto Municipal nº 1.826/2002 e seu reconhecimento, por meio da Lei Municipal nº 3.536/2002, como Área de Proteção Ambiental.
Neste memo ano de 2002, com o intuito de averiguar o real estado de conservação do bem protegido, foi realizada vistoria por parte de técnicos do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, cujo relatório apontou diversas irregularidades e intervenções causadoras de danos ambientais (conforme consta no Cumprimento de Sentença – ID 2564326492, pág. 5).
Tem-se registro, também, no próprio dossiê de tombamento, quando da descrição do histórico do bem cultural, de impactos negativos ambientais (fauna e flora) e à saúde dos patrocinenses, que residem em bairros limítrofes da Serra do Cruzeiro, se por acaso ali fosse implementada atividade minerária.
Diante disso, o Ministério Público Estadual, objetivando restaurar e revitalizar todo o ‘Conjunto Paisagístico da Serra do Cruzeiro’, aviou nova ação civil pública em 06 de março de 2008, logrando obter ganho de causa.
No bojo dessa Ação Civil Pública de nº 0822333-10.2008.8.13.0481 , foi proferida ordem judicial, exarada em 08/08/2017, com trânsito em julgado em 31/10/2018, nos seguintes termos:
(…) Ciente da decisão em 29/01/2018, o denunciado Deiró Moreira Marra interpôs recurso de apelação, porém, em 31/10/2018 o TJMG a confirmou, vindo ela transitar em julgado e disso ter ele ciência em em 20/11/2018 (ID do MPe 843848).
Com a finalidade de certificar o cumprimento da sentença, o Município de Patrocínio/MG foi intimado pela PJ da Comarca de Patrocínio/MG para prestar informações, porém, as justificativas trazidas não foram aceitas, motivando o Ministério Público Estadual, pelo fato do denunciado Deiró Moreira Marra não cumprir com o que foi ali determinado, em 03/03/2021, a ingressar com ação de ‘Cumprimento Definitivo de Sentença’, onde requereu fosse iniciado o cumprimento definitivo do acórdão judicial, o qual reconheceu a exigibilidade de obrigações de fazer e não fazer pelo Município de Patrocínio/MG, vindo a ser distribuída sob o nº 5001030-28.2021.8.13.0481, por dependência à Ação Civil Pública.
Demonstrando uma conduta altamente dolosa em não querer cumprir uma decisão transitada em julgado, EM TOTAL DESRESPEITO AO PODER JUDICIÁRIO, o denunciado Deiró Moreira Marra, usando de artimanha, objetivando “reverter” a qualquer custo as obrigações nela impostas, em agosto de 2022, em conjunto com a empresa de mineração nominada “Jubita Britagem”, buscou, junto ao Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Patrocínio/MG, uma suposta “autorização”, para o exercício de atividade minerária em área de 5,65ha, localizada no interior da área tombada do Conjunto Paisagístico Serra do Cruzeiro, a qual foi “concedida”, como se infere da ata de reunião do referido órgão, datada de 22/08/2022, sob o fundamento de se extrair “pedra” para uso em obras das avenidas Dom José André Coimbra e Altino Guimarães (Avenida do “Catiguá”) e outros projetos futuros, asseverando aos conselheiros que se tratava de liberação para o “interesse público” (fls. 102/108 – ID 420320 do MPe).
O mais grave é que o Ministério Público Estadual firmara com a empresa ‘Jubita Mineração Ltda.’ um acordo judicial, homologado pela 1ª Vara Cível, nos autos nº 5000417.13.2028.8.13.0481, onde ela se comprometeu a não realizar suas atividades dentro da APA, o que veio ser homologado judicialmente.
Evidencia-se aqui, por parte do denunciado Deiró Moreira Marra, uma verdadeira burla à ordem judicial transitada em julgado, mais precisamente aquela constante do “Item D” da sentença:
(…) Em face disso, identificando ilegalidade e inconstitucionalidade, a PJ da Comarca de Patrocínio/MG, ao tomar ciência dos fatos, adotou providências judiciais, fls. 36/45 (ID 420320 do MPe), tendo ingressado com pedido liminar no bojo da ação de cumprimento de sentença, que foi deferido em 21/10/2022, fls. 118/120 (ID 420320 do MPe), para que fosse determinado ao denunciado Deiró Moreira Marra o cumprimento das obrigações de fazer transitadas em julgado, bem como, ante a presença dos requisitos para a tutela de urgência, que paralisasse, por seus órgãos competentes, qualquer ato/ação que tenha por intuito o início ou o prosseguimento de atividades minerárias na região tombada da APA da Serra do Cruzeiro (fls. 118/120 ID 420320 do MPe).
Ademais, quanto à autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), obtida pela empresa ‘Jubita Mineração Ltda” para a extração de minério na área tombada e usada no procedimento administrativo junto ao Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Patrocínio/MG, o Ministério Público emitiu a Recomendação nº 003/2017, no âmbito do PP nº MPMG nº 0481.17.000575.7, tendo o indigitado órgão afirmado ser inadmissível conceder autorização nesse sentido, e que iria realizar perícia para investigar a situação.
Mais uma vez, o que acentua sua conduta dolosa, o denunciado Deiró Moreira Marra, representando o Munícipio, apresentou impugnação ao ‘Cumprimento da Sentença e interpôs agravo de instrumento, o qual teve indeferido o efeito suspensivo pelo desembargador relator, sob o fundamento de ausência de probabilidade de provimento do recurso (fls. 123/154 – ID 420320 do MPe).
Em 11/07/2023, ocorreu o julgamento virtual do recurso, ao qual foi negado provimento.
Diante de tantos entraves, todos voltados para evitar a depredação da ‘Serra do Cruzeiro’, o denunciado Deiró Moreira Marra adveio com um novo estratagema: valendo-se de suas atribuições de Prefeito Municipal, em que pesem todas as irregularidades relatadas, e em absoluta afronta à normativa vigente e em evidente retrocesso ambiental, encaminhou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 023/2023, com data de 09/06/2023 (Processo de Lei 681/2023), pautado na 19ª Reunião Ordinária no dia 20/06/2023, na qual houve pedido de vista e aprovação da sua votação em regime de urgência (fls. 37/41 – ID 791110 do MPe), tudo isso com a justificativa de continuar obra pública na Avenida do Catiguá, situada na cidade de Patrocínio/MG.
O artigo 1º do malsinado projeto alteraria o artigo 1º da Lei nº 3.536/2022, reduzindo a área da ‘APA da Serra do Cruzeiro’ para 355,97,35 hectares, diminuindo-a em 5 hectares.
Além disso, no artigo 2º, autorizaria a revogação do Decreto nº 1.826/2002, permitindo o tombamento da ‘Serra do Cruzeiro” para área menor de 355,97,35 hectares, como definido no dispositivo anterior, mediante a elaboração de um dossiê de tombamento pela Secretaria Municipal de Cultural.
Nesse ponto, é imperioso registrar que o escritório de advocacia “Campos e Campos Advogados”, o qual, a pedido do Município de Patrocínio/MG, emitiu parecer favorável aos trâmites do PL nº 023/2023 (fls. 46/53 – ID 791121 – MPe) – patrocina diversas causas em que o denunciado Deiró Moreira Marra é processado criminalmente, havendo, inclusive, procuração juntada pelo referido escritório nos presentes autos (ID 474730 – MPe), isso para representá-lo durante a investigação:
(…) Destarte, o escritório “Campos e Campos Advogados” patrocina não só causas em nome do Município de Patrocínio/MG, como em nome do próprio denunciado Deiró Moreira Marra, restando evidente sua imparcialidade.
Voltando ao histórico dos fatos, diante desse comportamento desrespeitoso à decisão do Judiciário, o Ministério Público encaminhou à Câmara Municipal de Patrocínio/MG, visando dar conhecimento aos Vereadores da situação jurídica e para que pudesse ter noção de que não se tratava de uma simples redução de área, a Recomendação nº 001/2023, datada de 21/06/2023, recomendando, em síntese, a não aprovação do projeto (fls. 01/13 – ID 791110 do MPe).
Ao tomar conhecimento desses fatos, dias depois, o denunciado Deiró Moreira Marra encaminhou à Câmara Municipal, em 23/06/2023, Projeto de Lei Substitutivo ao de nº 23/2023 – Processo de Lei 681- B/2023 (fls. 257/265 – ID 791105 – MPe), o qual mantinha a modificação e diminuição da área de proteção da APA em seu artigo 1º, e, em seu artigo 4º, determinava a revogação do Decreto nº 1826/2002, autorizando o novo tombamento da área menor para 355,97,35 ha, informando, por outro lado, em seus artigos 2º e 3º, que o Município apenas utilizaria o local destombado e desafetado para atividade minerária, caso autorizado por decisão judicial nos processos judiciais em andamento.
Nesse aspecto, frise-se, isso sem qualquer estudo técnico pertinente que fundamentasse a diminuição da área de proteção do bem tombado ambientalmente.
E mais: a própria Secretaria Municipal de Ambiente de Patrocínio/MG emitiu Parecer Técnico 2023 ao setor jurídico do Município, respondendo a alguns questionamentos sobre intervenções extrativistas na área da serra do Cruzeiro pela empresa “Jubita Mineradora”, quando informou já existir área de 16,4 ha fora da área de preservação tombada, na qual a mencionada empresa poderia realizar a atividade de extração, bem como asseverou não existir qualquer justificativa para a intervenção na área protegida e, ainda, ressaltou os graves danos ambientais irreversíveis que são gerados pela extração mineral na área da APA e de Tombamento da Serra do Cruzeiro (845123) .
Apesar disso, o referido projeto de lei foi pautado na 20ª Reunião Ordinária, realizada em 27/06/2023, vindo a ser aprovado e culminando na Lei nº 5.608, de 29/06/2023 (fls. 01/20 – ID 791122 – MPe).
Por fim, é válido registrar que o Ministério Público já suscitou a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.608/23 nos autos de nº 5001030-28.2021.8.13.0481 (cumprimento de sentença).
Por todo o exposto, resta evidente o descumprimento, por parte do denunciado Deiró Moreira Marra da ordem judicial proveniente da Ação Civil Pública de nº 0822333-10.2008.8.13.0481.
A situação é agravada tendo em vista que, na condição de Prefeito Municipal de Patrocínio/MG foi reiteradamente cientificado da sentença transitada em julgado, mas, ao invés de cumprir a determinação judicial, vem praticando atos contrários à decisão e à própria legislação atinente.
Destarte, o dolo do denunciado Deiró Moreira Marra em descumprir com a decisão judicial resta inequívoco.
Esse comportamento demonstra não só o dolo de sua por parte, mas seu total descaso com a Justiça, eis que, a todo custo, inclusive por meio de lei flagrantemente inconstitucional, tenta evitar o cumprimento do que lhe foi determinado por sentença definitiva.
Ademais, ao diminuir a área tombada, a alterando, a qual se encontrava protegida por lei e pela mencionada decisão judicial, veio, também, negar execução ao disposto no art. 17 do Decreto-lei nº 25/37 (Lei Nacional do Tombamento); artigo 23, incisos III e IV, da CF; e ao artigo 163, caput, e § 4º, da Lei Orgânica do Município de Patrocínio/MG (…)” (doc. de ordem 24).
O denunciado DEIRÓ MOREIRA MARRA foi regularmente notificado (docs. de ordem 67 e 68).
Apresentada Defesa Preliminar (doc. de ordem 69), a Defesa de DEIRÓ MOREIRA MARRA suscitou preliminar de nulidade do procedimento investigatório, alegando que as investigações pré-processuais foram realizadas à míngua de autorização deste Egrégio Sodalício, ou seja, em desacordo com a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, segundo a qual os inquéritos instaurados em face de Chefes do Poder Executivo Municipal devem contar com a “supervisão” dos Tribunais Competentes para o respectivo julgamento da ulterior ação penal.
Ainda preliminarmente, arguiu a carência da ação penal, por ausência de justa causa e, no mérito, alegou que a conduta do réu não encontra adequação típica no tipo penal que lhe foi imputado na denúncia.
Em réplica subsequente, a douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA opinou pela rejeição das preliminares suscitadas e, no mérito, pediu o recebimento da denúncia, para que se dê continuidade à tramitação da ação penal (doc. de ordem 76).
É o relatório.
Peço dia.
Belo Horizonte, 02 de abril de 2024.
DES. RUBENS GABRIEL SOARES
RELATOR